quinta-feira, 6 de maio de 2010

Afinação

Pequena, quero entrar numa caixa de ressonância para conseguir compassar as batidas fortes do meu coração com as notas que as falanges de suas mãos quentes criam.

Desisto de ser seu piano, não quero mais ser instrumento, agora sou eu quem deseja tocar. Cada pedacinho de você, com todo o receio de poder te desconcentrar. Por favor, não pare. Finja que não sente meus tremores, eu não os tenho sob controle. Gasto toda a energia pra me manter ouvinte e vigilante, enquanto contenho a respiração pra encher os pulmões de som, pra alimentar o corpo todo só com vibrações. Não sobra espaço pra ar.

Deus, ouça aqui este coração sem ritmo. Compreende de alguma maneira essa agonia que, neste exato momento, não decifro. E finjo achar que é pouco tudo isso de sentir tanto desde sempre. Ouça mais que os pedidos confusos do meu coração, ouça, por via transversa, indiretamente, a música que lhe pede a bênção, como se só pudesse acreditar no sobrenatural e ter fé sob esse fundamento.

Creio, religiosamente, na exatidão rigorosa do que, num único e inflexível tamanho, só pode pulsar. Dilata e retrai, dilata e retrai, e permanece sem diminuir nem aumentar. Inteiro e puro, sem deméritos por crescer nem por murchar. Conduzida por som de um piano, afino meu amor. Dou-lhe créditos por dever a beleza que retorna ao meus olhos lânguidos e ouvidos surdos.

Martela em mim, a todo o tempo, as lembranças e os silêncios que retive em meu peito. E agora, todos esses sons e tantos causos pra achar graça. Não sei se fecho os olhos pra sentir ou pra lembrar. Soa e ressoa. Tudo em mim, que lhe diga respeito, reverbera.

Grande, sai da caixa a minha alma. Os sons em mim se dissipam e fica você.