quinta-feira, 28 de maio de 2009

Um sentido compensado

- Está ouvindo?
[...]
-Hei, está ouvindo?

Lenine MTV - A Medida da Paixão


Quando eu voltei a ouvir, emudeci.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Multicolorido

Poderia passar o resto dos meus dias contornando com os dedos todas as tuas tatuagens, (re)descobrindo sempre cada traço, numa tentativa vã de borrá-los, porque sua pele me causa agonia, e, louca, já estou perdendo os eixos sem poder tocar.
Não me deixe te morder, meus dentes vão querer te mastigar, no instinto voraz de tribo guerreira que os mais belos e corajosos se quer incorporar.
Venha, ou me deixe chegar; se não gostar, não tem problema, eu também sei devorar com um olhar. Mas se deixar ou se aproximar, ah, vou garantir sutil calor sem ser preciso um só movimento.
Devagarzinho, num abraço insólito, meus dedos treinados, danados, se guiam no escuro dos meus olhos fechados e alcançam a delicadeza imperceptível das tintas diversas em seus ombros. De olhos fechados, meu tato há de decifrar todas as cores.
Terei milhares de mãos, mas prometo não avançar, a não ser que você queira. Ah, se você deixar!.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Todo torpor

capital inicial - fogo

Nunca vi tamanha harmonia naquele corpo esguio, muito menos aquela alegria no rosto comumente sério. Fiquei fitando ela de calcinha branca com o busto nu, coberto apenas pelo mp4 pendurado no pescoço, com cara de babaca e preso ao chão.
Ela nem me ouviu bater na porta e eu entrei achando que podia. Nem ouviu nem me viu, estava perdida, ou achada, em si mesma, dançando diante do espelho como se estivesse seduzindo alguém. Parecia uma adolescente apaixonada, eu nunca pensei que pudesse ser assim. Mas estava lá, se divertindo com a música que ouvia sozinha, como se fosse a maior maravilha do mundo estar com os seis desnudos balançando e os cabelos desarrumados se arrumando ao vento, sem convenções.
Por um segundo cheguei a cogitar que eu teria alguma influência sobre aquela alegria descomedida que ela só mostrava para o espelho no quatro fechado. E que quarto cheiroso! Milhares de cheiros dos vários cremes que ela inventou agora de passar pelo corpo para envelhecer mais devagar, acreditando que a velhice chega num piscar de olhos.
Que piscar de olhos que nada. O vigor da juventude todo ali e ela escondendo de todo mundo nas roupas folgadas. Eu não havia imaginado o quanto era bonita daquele jeito, nem mesmo nas vezes que medi sua silhueta com as mãos. Mexeu tanto comigo que eu nem consegui me mexer, e o meu piscar de olhos foi uma eternidade, não porque eu me esforcei em segurar minhas pálpebras para que não se movimentassem, com medo de perder toda aquela imagem deliciosa.
Meu Deus, aquela imagem não sai da minha cabeça!
Inerte, quando consegui pensar em tomá-la para mim, a música acabou.

- O que você está fazendo ai? - disse, rindo de mim.
- ... Vim trazer café pra você! - respondi dando as costas envergonhado. Ela me acharia um tarado.
- Dei-me aqui!
[...]
- Uai. Está frio.
- Desculpa. Acho que esfriou. Espera. Eu pego outra xícara.
- Não precisa. [...] Ei, fala olhando pra mim.

Que diabos ela tinha que me mandar olhar de novo? Daí, que não consegui tirar mesmo os olhos de seu corpo.

- Obrigada.
- Não há de quê. Eu conheço seus vícios. - Quis parecer dominante. Ilusão!
- E é?

Veio em minha direção, tirando um dos fones do ouvido para colocar no meu. Quase derreti quando passou meus cabelos para trás, descobrindo minha orelha.

- E então...
- E então, o quê?
- Não conhece meus vícios?
- Acho que sim. - Titubiei.
- E então...
- E então, o quê?

Um sorriso malicioso se fez nos lábios rosados:

- Me beija!

domingo, 17 de maio de 2009

De onde vem a calma daquele cara?

Ele sempre fica sentado sozinho naquela mesa, por volta das 16:00, lendo um livro qualquer, escrevendo sempre tão atento ao que faz.
Da vez que passei por detrás, só pude perceber a letra borrada, esticada para direita, meio apressada e de traço constante, carimbada por uma daquelas canetas que soltam muita tinta ao escrever.
Fiquei com medo de que ele parasse de fazer o que fazia constrangido pela minha curiosidade excessiva e incomum e passei tão rápido que nem pude perceber o título do livro.
Para falar a verdade, eu nem conseguiria fotografar tudo o que se encontrava disposto naquela mesa. Acho que ele é espaçoso. Ou fui eu que me vi agarrando os cabelos amarrados e loiros dele pra sentir o cheiro de shampoo e esqueci de prestar atenção no resto, durante aqueles dois segundos que a pouca coragem me deixou aproximar no máximo.
Ele toma chá em lata. Ainda não sei se é de tangerina ou pêssego, mas ando pensando em perguntar, só não pensei no contexto ainda.
Ando pensando em aparecer por ali mais vezes também, mas às 16:00 eu quase nunca estou disponível. Ainda bem que é quase nunca.
Às 17:00, ele levanta ligeiro, carregando todas as suas coisas agarradas ao peito como se não quisesse falar com ninguém, nem mesmo se fazer perceptível. Acho que ele nem faz idéia que eu estou quase aficcionada por ele.
Pensei em dar um nome, mas acabei o batizando de Psicopata, sendo eu a maluca da história. Já até inventei que ele esboça croquis de destruição em massa, estuda química pra fazer bombas, ou simplesmente gosta de ler, ou ainda que pode ser professor de alguma coisa.
Acho que ele não é mais secundarista, mas também não faço idéia se já faz curso superior. Nem sei a idade dele, acho que deve ter cerca de 18 a 20 anos, talvez. Ou pode ser mais velho pouca coisa.
Acho que ele não é daqui. Ele tem cara de ser filho de pai transferido de empresa grande. Ele deve ser filho único, ou os pais dele podem der adotado uma menina negra.
Gosto dos cabelos dele. Acho que já disse isso, não é mesmo? É, eu disse. Então, deixa.
Gosto das sobrancelhas dele. Muito embora eu nunca as tenha reparado de perto, já notei que o rosto dele fica forte com o desenho que elas fazem.
Ele tem jeito de nerd, e quase sempre está com uma camisa escura, uma calça jeans, cabelos amarrados e livros rente ao peito.
Não gosto das pernas dele. Mas pensando assim, acho que não gosto mesmo é da pressa que elas exprimem.
Tento não ficar olhando muito. Já pensou se ele resolve mudar de hábito e encontrar outro ambiente? Como eu ficaria sem o ponto certo pra admirar e fazer conjecturas? É melhor que nem passe pela cabeça dele que ele chama tanto a minha atenção. Afinal, chamar atenção não é a vontade, em hipótese alguma. Melhor que eu o deixe por lá e mantenha minhas vistas sempre atentas.
Acho que ele trabalha na temakeria. Já pensei em pedir um temake pra verificar, mas ando um tanto tímida depois que perguntei a uma das garçonetes sobre ele. Vai que ela já contou alguma coisa...
Ele é encantador, sabia?
Será que eu conheço alguém que ele conhece? Hum, não. Ele anda sempre só.
Hoje é domingo, ele não deve aparecer por lá. Deve evitar multidões também.
Talvez semana que vem eu apareça por lá. Talvez eu sente numa mesa mais próxima, talvez eu pergunte as horas, ou o que ele acha do tempo, ou qual é o nome dele, ou quem sabe eu consiga descobrir o título do livro.