domingo, 26 de outubro de 2008

Laranjeira


Ah, minha flor de laranjeira, tens tu o melhor dos aromas. Quaisquer de tuas variações transmitem a mim a idealização de um lindo campo florido e perfumado.
Chego a sonhar que sou menina de tranças correndo pelo laranjal a enfeitar os cabelos com as florzinhas que o vento não deixou vingar - coisa que nunca fiz - e, quando com sede, a retirar o suco de seu fruto colorido.
De doce a ácido, quaisquer dos teus sabores me alimentam. Enchem-me de nutrientes tão peculiares que nenhuma outra fruta híbrida saberia ter; protegem-me dos perigos que as intempéries do tempo certamente me causariam; e, sobretudo, divertem-me quando me lambuzo, sem vergonha.
Teus cheiros, tuas cores, teus sabores, tuas texturas. Todos os meus sentidos aguçados e, só depois de tanto sentir, caio em algum simbolismo.
A representação da pureza que os mais velhos vangloriavam-se ao casar, a simplicidade do fruto híbrido que é mais valoroso que tua fusão, o montante de células individuais num todo consistente, a singeleza de tua existência viçosa e eu, como mera espectadora, apenas finjo que ajudo a natureza ao regar-te por amor, sabendo, entretanto, que as flores delicadas, perfumadas e brancas se tornarão frutos suculentos, coloridos e viçosos
invariavelmente.


Uma homenagem a Laura Rebouças.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Era o dia de fazer coisas diferentes.
Ela bem que tentou ir à Igreja. Na verdade, só saiu de casa por conta dessa idéia, mas até a Igreja estava fechada.
Passou, então, um delineador preto para os olhos, não esqueceu da máscara para cílios à prova d'água, achou um batom quase-vermelho que não fez diferença alguma e foi a um bar.
Talvez fosse mesmo o dia de fazer coisas diferentes.
- Que tal um novo nome?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Papo temporal

Fitei o relógio naquela parede, por horas.
Estava conversando com o tempo para fazê-lo esquecer de trabalhar. Queria distrai-lo e, no fim das contas, convencê-lo a parar de uma vez.
Falamos de várias coisas, dos quadrantes solares, da rotação dos planetas, dos céus, dos nascimentos por ai.
O ponteiro das horas me causava alguma tranquilidade e esperança de que eu o convenceria, o ponteiro dos minutos era um pouco mais duro na queda e insistia em me desafiar, mas o ponteiro dos segundos adorava ver meu desespero ao caminhar intransigente.
Frente a frente, o que era uma conversa informal tornou-se um duelo.
Intransigente ao extremo, nada do que eu dissesse o faria parar. E eu, sem mais, passei a implorar, sem vergonha.
Chorei, sentei no chão, olhei para baixo e o escutei. Seu som que deveria ser inquietante, me acalmou. Eu dediquei alguns daqueles tons ritmados para pensar.
Pensei alto, bem alto, mas não foram os meus pensamentos que chamaram atenção. Meu coração, em compasso sonoro diferente, emitia um som infinitamente mais poderoso.
Por fim, vários estalos. Corri pela casa e todos os relógios foram quebrados!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Moonlight sonata

Beethoven - Moonlight Sonata

Fecha os olhos, abre os braços e concentra-se.

Cada nota extraída do piano forma, em torno dela, um ser que a beija e a conduz dançante pela sala vazia.
Olham para ela apenas os morcegos no telhado. Tudo se desfaz e ela só sente as vibrações sonoras adentrando por seu corpo, elevando-a ao êxtase que só algo divino seria capaz de proporcionar.
A música, que não parece ter fim, se esvai pelos cômodos da casa, hipnotizando até mesmo os animais de estimação. Tudo que se embasar em estima há de ser invadido pelo conteúdo de uma obra fenomenal de um gênio surdo do som.
A sensibilidade da origem da música é absolutamente adequada para os sentimentos da mulher que dança sozinha, à noite.
Nem mesmo a lua brilha no céu. Essa noite não tem a luz da lua e jamais terá outra vez. Dali em diante, a lua é só um imenso pedaço de pedra que não engana mais ninguém fingindo ter luz. E o sol, iluminador, não há de brilhar onde já está claro!


segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Na varanda da cama II



- Que pena! Eu nem pude perceber que você já partia, mas quando acordei, por todo o meu corpo em euforia e meu coração ressoando carinho, pude jurar que você esteve aqui.

sábado, 4 de outubro de 2008

Na varanda da cama

Ela levanta do sofá em direção a varanda enquanto ele, insuportavelmente, fuma. Não resiste e, mesmo com toda a fumaça, segurando a respiração, o abraça pelas costas e cheira seu pescoço, procurando a posição perfeita para senti-lo um pouco mais.
Um pouco de atenção e um beijo na bochecha desesperam o coração dela que não sabe mais controlar pulsações. Tentando disfarçar o coração desarazoadamente acelerado, desabraça-o para observar os carros insignificantes que passam pela rua durante à noite.

Passado o sonho, acorda com a lembrança mais adorável de todo o dia anterior, sendo o suficiente para que acorde muitos outros dias e fique na cama para sentir saudade do dito dia, dele, do carinho e a lamentável inexistência de força para tê-lo daquele jeito todos os dias.
Com uma determinada certeza, torce para que os dias posteriores não lhe sejam inseguros como foi este, pois já não importa se seria bom ou ruim se instabilizar.