quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Trôpega

- E agora você bebe?

Tive vontade de responder ironicamente um bom não é da sua conta, mas meu grunido de afirmativa serviu para que ele se sentasse ao meu lado como se a bebida pudesse nos fazer reconhecer.
Não me lembro das palavras ditas, sequer lembro das perguntas que me foram feitas. O barulho me ajudou a manter o silêncio, e eu nunca fui de falar muito mesmo.
Quantas horas se passaram, eu também não sei. Mas diferentemente de todas as outras vezes, eu só não sei, porque o tempo, dessa vez, soube passar e, entre as novas músicas e outras doses, eu tinha consciência de que ia terminar logo e a convicção de que não deveria durar.
Se quiserem saber das minhas percepções/sensações daquela situação inusitada, eu não vou querer dizer coisa alguma. Eu não tenho melancolia a desgastar, não me vieram lembranças de repente, não quis esclarecimentos, não refleti sobre o que desejar, nem sei se me conscientizei de algo além do tempo.
Como se nada pudesse ser alterado, estávamos ali, frente a frente, ora acompanhados por mais alguém, ora acompanhando um ao outro, e o tempo todo eu acompanhada de mim mesma. Nada do que um reencontro possa sugerir se configurou e eu ainda estou tentando acreditar que minha mente saudosista inventou as vezes que ele fez menção de que ia falar algo mais. Mesmo assim, fomos colados aos assentos que nem eram tão confortáveis, presos num silêncio e afastados por uma fenda abissal bem mais próxima aos meus pés.
Houve, sim, um instante que enxerguei um esboço de agonia, mas meu rosto apático e minhas feições educadas não continham mesmo qualquer incômodo ou preocupação. Talvez se a denominação fosse mágoa, eu devesse ter saído do lugar num gesto súbito demonstrador de possível ira. Contudo, eu estava no meu lugar.
O tempo corrente de agora, sem fazer sino nenhum badalar, sem nem assustar Cinderelas, nem pôr crianças pra dormir, cansou o dono do bar. Eu, guiada pelas determinações mais naturais, levantei sem nem me colocar em despedidas.
Compreendendo de que a noite toda tive os mais pequenos passos reproduzidos por alguém que não queria se afastar, notei ao lado, por acaso, a intenção de reconquista.
Minha pouca resistência talvez tenha o feito pensar depois de tudo. É que eu não sou dada a fingir estados e o fato de me inclinar não veio por força minha. Com as pernas um tanto bambas, eu nem consegui pensar em me machucar ao cair. Minha circulação já alterada, meus sentidos engraçados e meu corpo mole deram a chance a alguém para que eu fosse segurada.
Algum bêbado de cerveja e amor se declarou ao meu lado pra moça que, estabanada, saiu envergonhada e com pressa. Quando aquele tentou segui-la, me fez tropeçar:

- E você que não bebia, hein?
- Pois, é. Eu que amei você.

2 comentários:

Jaya Magalhães disse...

Eu que não fumo, queria um cigarro. Euquenãoamovocê.

Ygor P. disse...

Ainda é um espaço esclarecedor esse que se abre com etílicos.
Apesar de ter apreciado mesmo, e carinhosamente, toda sua lucidez.

*tenho muito gosto por teus comentários e mais que um apreço agora nessas "estradas".