Meu querido Ygor,
Já é quase primavera e ainda não chegou aqui nenhuma carta sua. Estou preocupada com você. Desde o verão que não nos falamos, e da última vez que tentei te ligar, você não me atendeu. Talvez não queira falar comigo, mas eu estou cheia de tanta vontade de ouvir sua voz que uma vez telefonei pra empresa áerea pra reservar uma passagem. Acabei desistindo. Ficou se repetindo na minha cabeça você dizendo diga que não estou.
O Augusto me contou que você não anda bem e tem faltado muito ao escritório. Assim você não vai conseguir mudar de vida, nem vai parar de andar de ônibus e comprar aquele carro do ano que sempre quis. Procura aquela psicoterapeuta que eu ia sempre, ela pode te ajudar a organizar as ideias. Acredite, ela é muito boa. Sem ela eu não superaria a ideia de você com outra, e sequer estaria aqui.
Mentira. Eu não superei. Não sabe o quanto que essa última ideia me corrói, mas sabe que quero só o seu bem. E droga, eu tinha que vir, você sabe. Não dava mais pra ficar sozinha em casa esperando você chegar do trabalho, ouvindo baixinho o meu rock para não incomodar a vizinhança de idosos daquela rua ladeirada. Só as suas violetas me faziam companhia, e eu nunca gostei de violetas. Elas eram sem graça e nem enfeitavam bem a janela de nossa casa.
Juro que não queria ter te deixado. Queria que tivesse vindo comigo, pra ver os lugares legais por onde passei, com cada arquitetura legal, cada comida exótica, cada cultura diferente, meu querido. Você não desgrudaria da máquina fotográfica nem por um instante, ainda mais sendo essa profissional que comprei quando cheguei aqui e, engordaria uns bons quilinhos com essa sua curiosidade gastronômica. Pensei em te mandar as fotos e até uns temperos, mas acho que essas lembranças e aventuras foram só minhas. Na verdade, pensei que pudesse ter lembranças minhas demais.
Eu sei que fiquei de mandarem buscar minhas coisas, mas é que aqui eu não preciso de nada que deixei ai. Quase não fico em casa, nem mesmo pra dormir. Nunca disse isso, mas se você quiser, e se já não tiver feito ainda, pode doar, jogar fora, incinerar, qualquer coisa. Aproveite pra jogar fora aquele sapato de couro que te comprei naquela feira que chegou na cidade. Com certeza, já não deve servir mais. Espero que tenha dado fim também naquele tapete da sala que não deixava eu cuidar da sua alergia respiratória. Só não jogue fora os meus CD's. Mande-os pelo correio que eu vou lhe ressarcir os gastos.
Ai, Ygor, parece que estou ouvindo você cantarolar Easy - Faith no more, querendo me dizer que vai deixar de me amar assim que a tarde alaranjada de hoje virar noite escura daquelas sem estrelas. Quase não respiro, como daquelas vezes em que você defumava a casa com fumo e nicotina de tanta inquietação, antes d'eu me irritar com seu vício, molhando os últimos cigarros.
Ainda posso sentir o cheiro de perfume e cigarro na camisa que te roubei. De vez em quando, quando o coração aperta de saudade, eu visto teu abraço pra conseguir dormir. Acho que fiquei viciada em cigarro também. Não vou comprar. Mas se eu te mandar uma passagem? Você vem?Um beijo da sua
Madalena.
Para Ygor, em Homesick.