sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O aroma de tudo que viaja

Meu querido Ygor,

Já é quase primavera e ainda não chegou aqui nenhuma carta sua. Estou preocupada com você. Desde o verão que não nos falamos, e da última vez que tentei te ligar, você não me atendeu. Talvez não queira falar comigo, mas eu estou cheia de tanta vontade de ouvir sua voz que uma vez telefonei pra empresa áerea pra reservar uma passagem. Acabei desistindo. Ficou se repetindo na minha cabeça você dizendo diga que não estou.

O Augusto me contou que você não anda bem e tem faltado muito ao escritório. Assim você não vai conseguir mudar de vida, nem vai parar de andar de ônibus e comprar aquele carro do ano que sempre quis. Procura aquela psicoterapeuta que eu ia sempre, ela pode te ajudar a organizar as ideias. Acredite, ela é muito boa. Sem ela eu não superaria a ideia de você com outra, e sequer estaria aqui.

Mentira. Eu não superei. Não sabe o quanto que essa última ideia me corrói, mas sabe que quero só o seu bem. E droga, eu tinha que vir, você sabe. Não dava mais pra ficar sozinha em casa esperando você chegar do trabalho, ouvindo baixinho o meu rock para não incomodar a vizinhança de idosos daquela rua ladeirada. Só as suas violetas me faziam companhia, e eu nunca gostei de violetas. Elas eram sem graça e nem enfeitavam bem a janela de nossa casa.

Juro que não queria ter te deixado. Queria que tivesse vindo comigo, pra ver os lugares legais por onde passei, com cada arquitetura legal, cada comida exótica, cada cultura diferente, meu querido. Você não desgrudaria da máquina fotográfica nem por um instante, ainda mais sendo essa profissional que comprei quando cheguei aqui e, engordaria uns bons quilinhos com essa sua curiosidade gastronômica. Pensei em te mandar as fotos e até uns temperos, mas acho que essas lembranças e aventuras foram só minhas. Na verdade, pensei que pudesse ter lembranças minhas demais.

Eu sei que fiquei de mandarem buscar minhas coisas, mas é que aqui eu não preciso de nada que deixei ai. Quase não fico em casa, nem mesmo pra dormir. Nunca disse isso, mas se você quiser, e se já não tiver feito ainda, pode doar, jogar fora, incinerar, qualquer coisa. Aproveite pra jogar fora aquele sapato de couro que te comprei naquela feira que chegou na cidade. Com certeza, já não deve servir mais. Espero que tenha dado fim também naquele tapete da sala que não deixava eu cuidar da sua alergia respiratória. Só não jogue fora os meus CD's. Mande-os pelo correio que eu vou lhe ressarcir os gastos.

Ai, Ygor, parece que estou ouvindo você cantarolar Easy - Faith no more, querendo me dizer que vai deixar de me amar assim que a tarde alaranjada de hoje virar noite escura daquelas sem estrelas. Quase não respiro, como daquelas vezes em que você defumava a casa com fumo e nicotina de tanta inquietação, antes d'eu me irritar com seu vício, molhando os últimos cigarros.

Ainda posso sentir o cheiro de perfume e cigarro na camisa que te roubei. De vez em quando, quando o coração aperta de saudade, eu visto teu abraço pra conseguir dormir. Acho que fiquei viciada em cigarro também. Não vou comprar. Mas se eu te mandar uma passagem? Você vem?

Um beijo da sua
Madalena.



Para Ygor, em Homesick.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Trôpega

- E agora você bebe?

Tive vontade de responder ironicamente um bom não é da sua conta, mas meu grunido de afirmativa serviu para que ele se sentasse ao meu lado como se a bebida pudesse nos fazer reconhecer.
Não me lembro das palavras ditas, sequer lembro das perguntas que me foram feitas. O barulho me ajudou a manter o silêncio, e eu nunca fui de falar muito mesmo.
Quantas horas se passaram, eu também não sei. Mas diferentemente de todas as outras vezes, eu só não sei, porque o tempo, dessa vez, soube passar e, entre as novas músicas e outras doses, eu tinha consciência de que ia terminar logo e a convicção de que não deveria durar.
Se quiserem saber das minhas percepções/sensações daquela situação inusitada, eu não vou querer dizer coisa alguma. Eu não tenho melancolia a desgastar, não me vieram lembranças de repente, não quis esclarecimentos, não refleti sobre o que desejar, nem sei se me conscientizei de algo além do tempo.
Como se nada pudesse ser alterado, estávamos ali, frente a frente, ora acompanhados por mais alguém, ora acompanhando um ao outro, e o tempo todo eu acompanhada de mim mesma. Nada do que um reencontro possa sugerir se configurou e eu ainda estou tentando acreditar que minha mente saudosista inventou as vezes que ele fez menção de que ia falar algo mais. Mesmo assim, fomos colados aos assentos que nem eram tão confortáveis, presos num silêncio e afastados por uma fenda abissal bem mais próxima aos meus pés.
Houve, sim, um instante que enxerguei um esboço de agonia, mas meu rosto apático e minhas feições educadas não continham mesmo qualquer incômodo ou preocupação. Talvez se a denominação fosse mágoa, eu devesse ter saído do lugar num gesto súbito demonstrador de possível ira. Contudo, eu estava no meu lugar.
O tempo corrente de agora, sem fazer sino nenhum badalar, sem nem assustar Cinderelas, nem pôr crianças pra dormir, cansou o dono do bar. Eu, guiada pelas determinações mais naturais, levantei sem nem me colocar em despedidas.
Compreendendo de que a noite toda tive os mais pequenos passos reproduzidos por alguém que não queria se afastar, notei ao lado, por acaso, a intenção de reconquista.
Minha pouca resistência talvez tenha o feito pensar depois de tudo. É que eu não sou dada a fingir estados e o fato de me inclinar não veio por força minha. Com as pernas um tanto bambas, eu nem consegui pensar em me machucar ao cair. Minha circulação já alterada, meus sentidos engraçados e meu corpo mole deram a chance a alguém para que eu fosse segurada.
Algum bêbado de cerveja e amor se declarou ao meu lado pra moça que, estabanada, saiu envergonhada e com pressa. Quando aquele tentou segui-la, me fez tropeçar:

- E você que não bebia, hein?
- Pois, é. Eu que amei você.