quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Gelo

- Você cortou o cabelo? - Perguntou como se quisesse saber mais dela.
- Hunrum! - Ela respondeu sem querer estender a conversa.
- Não tinha visto pela foto, Luisa me contou.

Será mesmo que precisava procurá-la para dizer subliminarmente que estava com outra? Afinal, ele nunca se importou com os cabelos dela e ela nunca deixou que ele os tocasse muito.
Que tolo de querer provocar ciúmes. Ele sabia que ela não sentia dessas coisas, não cultivava o medo de perder, tinha tudo dentro de si e não tinha instintos pra matérias.
No entanto, como por reprise, atuou na mesma cena de há tempos. A diferença é que ela já não estava mais disposta a se abater e qualquer falta que ele pudesse fazer significava quase - para não ser injusta - nada diante das atuais preocupações que ela podia ter, e tinha.
Da pergunta boba e da revelação nas entrelinhas achou graça, denominou-o mentiroso em sua mente, como ele mesmo já havia se definido. Não se fez de outra pessoa, agindo com o mesmo carinho que sempre o devotara, mas sem qualquer vontade de ter aquela conversa de meros conhecidos, quando, na verdade, sabia dele mais do que se presumia.
De mais nada precisou para concluir que ainda sentia o gosto dela e que, talvez estivesse querendo conservá-la outra vez para, num momento futuro e certo de fome, esquentar no microondas.
Congelada mesmo, não se importou com a própria conclusão.
Nem com ele, e não se despediu.

2 comentários:

Yves Berbert disse...

E você ganha aplausos de pé! Pelo conto, e pela força da personagem.

Jefferson disse...

Que delícia de conto!