terça-feira, 3 de março de 2009

A maldição dos 21

O hoje¹ eu não vi no calendário.
Não o procurei, sabia que não encontraria em lugar algum.
Todas as gráficas hão de estar certas, apenas eu não consigo enxergar o número impresso no documento de convenção temporal. No entanto, não hei de estar errada por conta disso.
Se os dias não possuem 24 horas exatas, nem o ano 365 dias precisos, por que a mim seria estabelecido como crime desconsiderar apenas um dia do ano? Pois se há crime em não contar o tempo, a pena não deve ser branda. E não é.
Culpada e condenada de logo à perturbadora maldição, não espero pelo término das restrições a que fui submetida. Dessa maneira, é que me submeto ainda mais à referida pena, e sabia/sei que, uma vez acostumada, não poderia/poderei jamais me desvencilhar sem sofrer as consequências catastróficas da liberdade.
Não sei contar o tempo, é ele quem me conta, e demonstra prazer em vir aos meus ouvidos revelar os segredos que nem me permite divulgar. Institui em mim a antecipação de todas as coisas e quase me enlouquece ora me empurrando, ora simplesmente permitindo que eu possa viajar por entre o mesmo, sem despender uma nica sequer. O tempo é sadico, mas não me importo, só temo pelo tanto de beleza que vejo nisso.
Há duas décadas fui amaldiçoada expressamente. As palavras de poder diziam que eu seria como deusa, forte e dócil, e meu nome de batismo revelou-se apropriado ao simbolismo da soberania e graça.
Ignoro se a maldição foi invocada por acaso, o fato de não saber do dia de hoje revela minha recente absoluta aceitação.
Confesso que já relutei no afã de me desprender daquilo em que eu nem me via presa, mas descobri há pouco, que maldição também é benção. Pois fui, então, abençoada ao reconhecer e aceitar a maldição.
Vinde a mim todos os poderes e, com estes, todos os encargos que me foram destinados nesta mesma data em tempos de fim de guerras frias. Mas vinde aos poucos, porque, mesmo sendo a escolhida, eu posso não resistir. Pior, eu posso não querer resistir.
Posso renunciar aos meus direitos e me abster de cumprir deveres; posso me misturar à multidão, abdicando da minha individualidade; posso não reagir diante do adversário mais fatal; posso ser apenas normal, e dessa vez, não mais como personagem finalística.
Vinde aos poucos, eu aceito. Aos poucos, eu posso reproduzir, desenvolver, instituir e dignificar. Meticulosamente, formalizar com a mais ampla perfeição que se permita. Invada-me, tempo, mas não me corroa.
O quanto incotado em meio ao tempo contado em 20 calendários é a prova inequívoca da minha maldição, da minha louca sanidade, dessa solidão que não se desapega.
Há de chegar o tempo a ser contado, mas diverso, regressivamente. Não um dia após o outro, mas um antes dos outros, sendo a cautela de recepcionar o poder resguardado substituída pela pressa apaixonada de consumir tudo. Nesse tempo, nesta data, haverá espaço suficiente para caber qualquer coisa sem riscos de explosão ou implosão.
Ao pai que invocou a mim tanta responsabilidade, esbravejo, por fim, com rancor e amor: - Falta apenas mais um ano, e lá, até com a lei vou me casar.

¹Hoje: 03 de março de 2009.

5 comentários:

paulo calvet disse...

...o tempo dói: cada segundo uma vértebra torcida...

l u a * disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
l u a * disse...

'o Tempo não é uma geléia, para ser marcado. se você fosse amiga do Tempo, ele lhe cederia todos os favores.'

te dou a mão, madá. Tempo fez cara feia pra mim, e ouço os calendários rindo de mim.

Bruno Azevedo disse...

Por falar em tempo... há muito que nao passava por aqui. Ele de vez em quando me abandona e me deixa perdido, sem "tempo" para nada, nem para os prazeres como o de passar por aqui. Mas eis que acordo, com um lindo comentário no meu blog e venho de volta para matar saudades (mesmo que pela net) de ti.

bjao!!!!!!!!!

Jota Mombaça disse...

Amanhã é vinte e dois. Ao acordar, vou correr para o espelho para ver se algo mudou, se alguma ruga apareceu ou se algum cabelo branco.