sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Para-nunca-mais

Ivan Lins - Guarde Nos Olhos Ivan Lins Feat. Jorge Vercilo - Ivan Lins - Guarde Nos Olhos Ivan Lins Feat. Jorge Vercilo


- Já estou indo. - Despediu-se dele, dizendo adeus a todos.
- Eu acompanho você até a porta. - Fez-se de educado pra disfarçar o aperto no peito.

Caminharam em silêncio dois ou três passos até a porta. Lado a lado, as mãos se tocaram rapidamente sem efeito, como se se atraíssem pelo hábito de estarem sempre entrelaçadas. Parece que as mãos sempre guardam certas energias nessas horas, ficam ali meio abertas, meio fechadas, um tanto trêmulas, mas não chegam a se pegar. Perdem a força, quando a vontade nelas se concentram. Foi assim que não se deram as mãos.

- Vai pra onde? - Ele perguntou sem jeito. - Eu te levo.
- Não, obrigada. Eu vou só. - Respondeu áspera, querendo dar ponto àquela despedida.
- Mas vai aonde? Eu preciso mesmo ir à rua. Dou-lhe uma carona. Espera, vou buscar a chave.
- Não, não precisa. - Impediu-o de sair dali.
- Faço questão.
- Aonde eu vou, você não pode me levar. - Com certeza e descontentamento, respondeu segurando-lhe pelo braço.
- Ah, está bem. Não quer, não vou insistir. - Assustado, se revoltou com a suposta desfeita.

Olharam-se nos olhos mais profundamente num instante, mas, ofendido, ele desviou o olhar como se dissesse para ir embora de uma vez. Ela permaneceu olhando pra ele com o sorriso terno.

- O que é? Do que está rindo? Não sou palhaço pra você rir da minha cara.
- Eu não disse que era. Quer controlar até minhas graças agora?
- Que boba!
- Você gostava...
- Falou certo. Gostava. Não gosto mais. Vai logo pra eu poder fechar a porta.
- Feche-a.
- Pra quê? Depois você vai dizer que eu bati com a porta em sua cara.
- Mas isso você já fez.

Ela já se virava para partir quando, interpelada, achou que era justo e digno responder para esvaziar o coração por sinceridade - a de sempre.

- É. Expulsou-me do seu coração, fechando a porta. Eu fiquei ali batendo, insistindo, cheia de medo de te incomodar, mas mesmo assim querendo entrar outra vez. Bati tantas vezes. - Revelou-se magoada. Extremamente magoada.
- Sabia que você ficava me ouvindo por detrás, mas você não abriu. - Revelou-se indignada.
- Eu sentei no batente e esperei dias e noites pra que o seu momento de alto egocentrismo passasse, mas ele não passou, não é mesmo?
- Eu senti sua falta. Eu senti frio... - Com os olhos secos tão brilhantes de amor e tristeza!

Nunca ele ficou tão calado. Sentiu trespassar uma flecha que ficou presa no peito acalentando certa dor. Fingiu ignorar o assombro e, mais uma vez, desviou o olhar porque ela sabia ler aquela imensidão profunda e verde.

- Você vai fugir de mim a vida toda. - Ela definiu a situação.

Ele bem que tentou balbuciar alguma coisa, mas se atrapalhou com as palavras. Imediatamente, ela emendou exaltada umas palavras desconexas como se quisesse provocar a briga que sempre evitou. Queria, na ponta do seu íntimo, reatar o romance através de um desespero que não havia sentido ainda, mas logo se acalmou. O que está na ponta logo se esvai, não é mesmo?

- Obrigada pela disposição, mas eu preciso ir só. Pronde eu vou, só posso ir só.

Num relance, demonstrando, então, o assombro, apoiou-se nos ombros dela, descobrindo a clavícula coberta pela camisa-canoa da moda. Foi pela clavícula que quase se entregou. Quase. Foi pela mesma clavícula que se fez voltar à realidade, olhando para o nada, mesmo tendo a moça diante de si.

- Vou embora! Você não vai dizer nada, não é? - Definitivamente, ela queria um pouco de atenção.
- Você quer que eu diga o quê? [...] Boa viagem! - Ele só tinha rispidez a oferecer e logo tratou de subir no primeiro degrau da escada que dava acesso à casa.

Aos pés dele, contornou-o pela cintura com seus longos braços. Fê-lo descer entontecido pelas últimas palavras*, beijou-lhe a bocheca com o mesmo fervor e ternura que o beijaria nos lábios e ele, estarrecido e imóvel, só soube vê-la desaparecer no horizonte distante, mais-longe-do-que-nunca, caminhando a passos largos e constantes para-nunca-mais.

[...]

- Queria que você me pedisse pra ficar.*


p.s. De onde foi que isso surgiu? Um lixo. Detestei.

4 comentários:

Jefferson disse...

como sempre, uma delícia de conto (ou seria relato? :B)

Jaya Magalhães disse...

Abençoados sejam os ventos que te fizeram encontrar-me, Madalena. Já perdi a hora, aqui, lendo tudo que é texto que me foi possível, com uma avidez que eu já desconhecia, em mim.

[Belíssima, tua afinidade com as letras].

O "para-nunca-mais" me deixou duvidosa quanto à eficácia. A vontade dela, em permanecer, foi de dividir minuciosamente meu coração mole. Porque eu sempre quero ver amor em tudo. E eu vi, aqui. Vi que na imensidão profunda e verde, dele, tinha a menina esperança, acenando singela.

Não sei. Os leques de interpretação que você deixou abertos por não expor os motivos do adeus, me deixa fazer tudo como quero. Rs.

Ela foi, por fim. E eu só desejo que saiba passarinhar. Desejo voos venturosos.

Beijos, daqui.

P.S.: Grata pela visita. Muito.

paulo disse...

... escreves bem. a palavra fez o que tinah de fazer. por cá pontas de tristeza. sentir. e há tanto!


abraços


paulo

paulo disse...

... uma palavra do teu comentário levou-me a outro canto de outras palavras, há muito vistas [que gosto um tanto]:

Nota

Meus poemas de amor
Não tem destinatário
Misturo no vento e sopro:
Um dia, no olho de alguém vira cisco.

..

[http://meucontratempo.blogspot.com]