Quando você chegou, resolveu que ia encher minha vida de sons. Deixei que acreditasse que eu estava intacta o bastante para você se imprimir em mim desse jeito tão intenso.
Jamais teria dito que já estava com o que me era suficiente e, que você era só um adorável supérfluo que eu não ia querer nunca abrir mão. Certamente teria me machucado com suas palavras grosseiras e talvez até levantasse a mão para mim. Não que seja violento assim, mas eu imagino o quanto essa verdade ofenderia seu ego central se irradiando até a mão que eu tanto segurei sem, no entanto, andar pelas ruas.
Eu me calei, mas não por medo de apanhar. Gostava tanto que talvez pudesse ser em alguns instantes sadomasoquista para realizar fantasias ou simplesmente experimentar situações que só você poderia me fazer cogitar. Eu me calei porque, por toda simplicidade do mundo, só queria estar ao seu lado, sem rancores, sem problemas, sem passado, sem futuro, sem presentes, nem presenças. Só eu, e você, e qualquer som.
Sons seus, meus, nossos, uns dos outros, de outros, de tantos, de músicas, de músicos, de pássaros, de grilos e de ventos. Qualquer som e você. Sentíamos juntos cada notinha, embora só você pudesse decodificar. Achávamos graça na coincidência com o nosso romance, trocávamos romances em novas músicas, conversávamos quase que cantando, cantarolávamos na saudade, eu na vontade de ouvir e você na vontade de tocar/cantar.
Fez-me promessa de amor em forma de música e até promessa de música em forma de amor. Eu, que reneguei querendo ouvir, talvez pressentisse esse silêncio de então, porque tudo acabou. Nem uma palavra, nem uma vontade, nem um sentimento, nem sequer um som restou, e, se alguém ainda insiste em regravar as músicas que você cantou pra me encantar, não adianta. Para ouvir, eu me tornei lânguida.
5 comentários:
[o primeiro parágrafo foi de me matar. não li]
- me dissolve, mexe com a colher.
é engraçado como as pessoas, pra mim, tem uma trilha sonora. claro, só as que fizeram parte de verdade. é só ouvir uma música e a lembrança bate. ao mesmo tempo que isso me mata aos pouquinhos, no outro lado, eu me sinto bem pois sei que tudo que vivi com a determinada pessoa fez sentido.
essa história sôou bem familiar, aliás, deliciosa.
essa linguagem da intimidade é o farelo do meu pão.
*muy agradecido.
não o farelo pela quantidade deste; tão mais pelo tangível.
doce mistério os sons de amor.
(eu, inda tenho languidez pra cetos acordes.)
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