Magali deixou de ir na varanda de casa com sua mãe e seu irmãozinho, quando tiraram dela sua boneca.
Havia recebido a Estela aos 5 anos e já se contavam 3 primaveras com a boneca falastrona.
Estela fazia de tudo. Dizia milhares de frases que Magali nunca enjoava de ouvir, mais parecendo um brinquedo que revelava sua sorte - tinha sempre alguma palavra de conforto e alegria para a menina; cambaleava da melhor forma para uma boneca e, Magali adorava imitar os gestos engraçados do brinquedo; piscava aqueles lindos olhos que pareciam mais reais que o da própria menina; e ainda fazia outras muitas coisas que só a Magali mostrava, devido a profunda intimidade que tinham.
O primeiro encontro havia sido mágico. Magali não ganhou nada de presente no dia das crianças daquele ano, mas ganhou a Estela no dia seguinte quando não tinha mais esperanças de mostrar as suas amiguinhas o brinquedo daquela data.
Abriu a caixa com todo o cuidado para não estragar o papel de presente que sempre guardava, sendo que, na verdade, era devassada pela riqueza de detalhes daquele brinquedo. Magali, tão pequenina, de olhos esbugalhados, se viu tomada por um sentimento magnífico. Tornou-se amiga, tornou-se mãe. Agradeceu aos pais e guardou a boneca.
[Guardou? Mas não havia ficado feliz com o presente? Ah sim, ficou tão feliz que quis preservar a boneca das intempéries do tempo, da cobiça dos invejosos e tê-la só para si!]
Magali era definitivamente uma menina especial e fora do comum, apresentando com frequência qualidades pouco correntes até para os mais velhos.
A garotinha brincava com Estela sempre que podia, apesar de todas as tarefas e cursos durante a semana. Magali sempre dava um jeito de ficar perto da boneca quando sua mãe se distraía. Conversavam quase todas as madrugadas e, sem perceber, foi sendo dominada pela boneca. Mudou seus hábitos alimentares, mudou seus horários, leu mais historinhas, fez até um diário para que Estela a ouvisse lendo.
Estela tornou Magali ainda mais especial, aumentando sua compreensão, doçura e preocupação com os demais.
Nas tardes de domingo, Magali levava Estela até a varanda de casa para acompanhar sua mãe e seu irmãozinho sentindo a brisa leve e o calor sutil dos últimos raios de sol. Fazia questão de mostrar tudo que podia para a boneca.
E Magali foi crescendo e se preocupando com outras coisas. Estela não foi deixada de lado, mas as conversas entre a menina e a boneca eram menos frequentes, o que piorou quando Estela teve um problema que a fazia repetir as mesmas frases em curto espaço de tempo.
Magali deixou que a boneca decidisse o que fazer e, feliz ou infelizmente, bonecas gostam de ficar em caixas esperando por algum momento conveniente e datas comemorativas para que façam a diferença.
A menina só fitava a boneca junto a cama. Não quis guardá-la na estante. Afinal, não era um enfeite, era alguém definitivamente muito importante. A boneca se negava a falar como antes e já confundia as palavras gravadas, machucando Magali com suas grosserias.
Foi a mudança da família o dia mais trágico para Magali. Sem a sua supervisão, alguém encaixotou Estela sem cuidado entre outras tantas bugingangas antigas.
Ninguém deixou bilhetes - ladrões não deixam bilhetes [...] bonecas não deixam bilhetes! Deixaram a caixa, nesta, o aroma do perfume da boneca e o diário antigo da menina. Só deixaram isso. SÓ! "Melhor que tivessem levado tudo, melhor que nunca tivesse ganhado nada!" - disse a menina, no instante que conheceu a raiva.
Era muito pouco para Magali. Era quase nada para Magali.
Os dias não eram mais cheios de graça e nenhuma nova boneca seria como Estela, nem mesmo um brinquedo novo daquele modelo. Magali não quis mais saber de bonecas, mas se controlava para não observar as outras meninas brincando com as delas. Fingia que já era uma mocinha e que bonecas eram coisas para crianças.
Até que um dia, depois de considerável tempo se negando a expor sua saudade, sozinha, com alguns pedaços de tecido colorido, fez uma boneca de pano. Não tinha os olhos de Estela, nem as frases perfeitas, nem a expressão detalhada, servia simplesmente como boneca que era e, Magali, para sempre com saudade de Estela, ainda poderia se deitar no colo daquela e ali descansar sem medo de perdê-la.
[...]
Talvez, Estela estivesse feliz.
Talvez, alguém estivesse feliz com Estela.
Havia recebido a Estela aos 5 anos e já se contavam 3 primaveras com a boneca falastrona.
Estela fazia de tudo. Dizia milhares de frases que Magali nunca enjoava de ouvir, mais parecendo um brinquedo que revelava sua sorte - tinha sempre alguma palavra de conforto e alegria para a menina; cambaleava da melhor forma para uma boneca e, Magali adorava imitar os gestos engraçados do brinquedo; piscava aqueles lindos olhos que pareciam mais reais que o da própria menina; e ainda fazia outras muitas coisas que só a Magali mostrava, devido a profunda intimidade que tinham.
O primeiro encontro havia sido mágico. Magali não ganhou nada de presente no dia das crianças daquele ano, mas ganhou a Estela no dia seguinte quando não tinha mais esperanças de mostrar as suas amiguinhas o brinquedo daquela data.
Abriu a caixa com todo o cuidado para não estragar o papel de presente que sempre guardava, sendo que, na verdade, era devassada pela riqueza de detalhes daquele brinquedo. Magali, tão pequenina, de olhos esbugalhados, se viu tomada por um sentimento magnífico. Tornou-se amiga, tornou-se mãe. Agradeceu aos pais e guardou a boneca.
[Guardou? Mas não havia ficado feliz com o presente? Ah sim, ficou tão feliz que quis preservar a boneca das intempéries do tempo, da cobiça dos invejosos e tê-la só para si!]
Magali era definitivamente uma menina especial e fora do comum, apresentando com frequência qualidades pouco correntes até para os mais velhos.
A garotinha brincava com Estela sempre que podia, apesar de todas as tarefas e cursos durante a semana. Magali sempre dava um jeito de ficar perto da boneca quando sua mãe se distraía. Conversavam quase todas as madrugadas e, sem perceber, foi sendo dominada pela boneca. Mudou seus hábitos alimentares, mudou seus horários, leu mais historinhas, fez até um diário para que Estela a ouvisse lendo.
Estela tornou Magali ainda mais especial, aumentando sua compreensão, doçura e preocupação com os demais.
Nas tardes de domingo, Magali levava Estela até a varanda de casa para acompanhar sua mãe e seu irmãozinho sentindo a brisa leve e o calor sutil dos últimos raios de sol. Fazia questão de mostrar tudo que podia para a boneca.
E Magali foi crescendo e se preocupando com outras coisas. Estela não foi deixada de lado, mas as conversas entre a menina e a boneca eram menos frequentes, o que piorou quando Estela teve um problema que a fazia repetir as mesmas frases em curto espaço de tempo.
Magali deixou que a boneca decidisse o que fazer e, feliz ou infelizmente, bonecas gostam de ficar em caixas esperando por algum momento conveniente e datas comemorativas para que façam a diferença.
A menina só fitava a boneca junto a cama. Não quis guardá-la na estante. Afinal, não era um enfeite, era alguém definitivamente muito importante. A boneca se negava a falar como antes e já confundia as palavras gravadas, machucando Magali com suas grosserias.
Foi a mudança da família o dia mais trágico para Magali. Sem a sua supervisão, alguém encaixotou Estela sem cuidado entre outras tantas bugingangas antigas.
Ninguém deixou bilhetes - ladrões não deixam bilhetes [...] bonecas não deixam bilhetes! Deixaram a caixa, nesta, o aroma do perfume da boneca e o diário antigo da menina. Só deixaram isso. SÓ! "Melhor que tivessem levado tudo, melhor que nunca tivesse ganhado nada!" - disse a menina, no instante que conheceu a raiva.
Era muito pouco para Magali. Era quase nada para Magali.
Os dias não eram mais cheios de graça e nenhuma nova boneca seria como Estela, nem mesmo um brinquedo novo daquele modelo. Magali não quis mais saber de bonecas, mas se controlava para não observar as outras meninas brincando com as delas. Fingia que já era uma mocinha e que bonecas eram coisas para crianças.
Até que um dia, depois de considerável tempo se negando a expor sua saudade, sozinha, com alguns pedaços de tecido colorido, fez uma boneca de pano. Não tinha os olhos de Estela, nem as frases perfeitas, nem a expressão detalhada, servia simplesmente como boneca que era e, Magali, para sempre com saudade de Estela, ainda poderia se deitar no colo daquela e ali descansar sem medo de perdê-la.
[...]
Talvez, Estela estivesse feliz.
Talvez, alguém estivesse feliz com Estela.
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