domingo, 31 de agosto de 2008

O estrangeiro velho

A imagem daquele senhor entrando pela sala mudou o meu dia.
Tinha os cabelos grisalhos e bagunçados; uma barba homogênea, espessa e grande; um jeito de andar sem pressa, não lento.
Era belo. Sim, trazia consigo uma beleza estrangeira, nada parecido com que eu pudesse comparar. Era alemão. Era um homem maduro comum, mas mexeu tanto com os meus sentidos que passou a ser especial.
Sentou-se de fronte a mim junto a outras pessoas numa mesa comprida. Vestia um conjunto de tom pastel, com alguns botões metálicos e bolsos grandes. Usava óculos que ofuscavam um pouco a cor dos seus olhos - não sei se eram cor de mel ou verdes e... fumava.
Poxa, ele fumava. Decepcionei-me ao vê-lo buscar um cinzeiro grande de barro. O vento não amenizou minha frustração e trazia a fumaça em minha direção.
Não suportei. Precisei sair mais frustrada ainda, já que era obrigada a me distanciar um pouco de toda aquela sensação de bem-estar que o ambiente proporcionava.
Distraí-me, olhando algumas peças de arte em cerâmica. Toquei algumas coisas na intenção de perceber poeira - essa mania se manifesta algumas vezes quando preciso não acelerar (o que é diferente de precisar me acalmar).
Não percebi o tempo que levou para ele tragar todo o cigarro, mas logo me acomodei no mesmo lugar.
Voltei a observar o senhor com mais cuidado. O fato de fumar chamou tanto a minha atenção que agora buscava qualidades para suprimir aquele defeito. Achei. Vi naquele homem muito tranquilo, uma pessoa honesta e cheia de ideais. Nada bossal, parecia ser mais da terra que qualquer natural do lugar. Pela primeira e única vez, o cheiro de nicotina foi... agradável (?).
Falou algo sobre a política local, mas eu não dei importância a isso mais do que o delicioso sotaque que meus ouvidos ansiavam em ouvir novamente toda vez que ele finalizava um pensamento. E as risadas, então? Ria um tanto atrasado de qualquer coisa engraçada, e eu não sabia diferenciar um riso maroto de um irônico.
Não. Eu não me apaixonei por um senhor de cabelos brancos. Apaixonei-me pela idéia de existir alguém assim.
Era artista. Trabalhava com esculturas de ferro e mecânica. Infelizmente, só passei um rabo de olho no seu ateliê.
Eu nem sabia que prestava atenção tão minuciosamente nisso tudo, mas, de repente, um estalo na minha cabeça fez com que elencasse todos os julgamentos e análises a respeito daquele adorável homem num só instante.
Meu coração sentiu-se vazio e eu pensei em inúmeras pessoas comparando-as com o senhor sempre a minha frente. Parei em alguns pensamentos, conferi algumas idéias e segurei meu coração para que ele não transbordasse carência naquele momento que a natureza ajudava a tornar incrível e ainda mais cheio de sensibilidade.
Entendi que vi naquele velho moço - acredito ser a melhor definição para aquele indivíduo que começava sua melhor idade - tudo o quanto uma pessoa precisa ter para que eu disponha a minha vida plena e inteiramente.
Finalmente, com um sorriso no rosto, quase adormecendo no carro, de volta para a rotina da minha vida, depois de todo o muito tão simples e tão significativo, concluí que abri meu coração. Senti-me livre, leve e feliz.

Um comentário:

Nina disse...

Me vi ali. Um pouco de todo num sonho. A personificação do sonho, o estrageniro. E o fato dele fumar ainda me incomoda, mas me anestesia o fato de ser assim: tão brando, cheio de sentimentos nobres.
O gostoso é imaginar, muitas vezes.
Ele é platônico, mas ainda há esperança.