terça-feira, 30 de setembro de 2008

Indolor

As escoriações sobre escoriações servem para estancar o primeiro sangue que escorre das costas deslizando pelas pernas. Tantas lembranças quantas forem as chicotadas, a dor serve a todos os seus propósitos: é preciso aprender.
Cabeça baixa, mãos atadas, joelhos confundidos com o chão, pele salgada.
Ajoelhada diante de forças cruéis, chorar é ter pena de si mesmo.
Mas, num instante, [...] se chora. Não como um bezerro desmamado, não como uma criança sem pirulito, mas como a mulher do capitão que navega ao comando do vento incerto. Cada lágrima, gota única, consegue fazer desmedida diferença naquele imenso mar, diante do qual acena e faz promessas.
E se chora pelo medo, pela saudade, pelo amor e, por fim, se chora por si mesmo.
Rosto molhado, lábios mordidos, garganta sufocada, olhos de apelação.
- Quem é meu carrasco?
Ele tem o rosto coberto, mas nenhuma máscara o tornaria menos familiar. Respeita-se, não se teme!
Aquele olhos apelantes só gostariam de saber o porquê. A garganta estrangulada pela falta de ar quer saber quem é. As pancadas no rosto, com o escopo de desfazer todas as insistentes dúvidas, desconfiguram as características naturais de quem sofre. Quem perdeu a face quer saber o que sente seu carrasco. Sem respostas, tem mais que o corpo desfigurado.
Com dor, se segura para não entregar a alma ao diabo. Acredita apenas no "acreditar". Já sabe das coisas ruins do mundo, já sabe das coisas ruins do seu mundo, já sabe das coisas ruins do mundo que um dia quis que fosse o seu.
Não perde o brilho, mas o esconde numa carapaça dura e resistente. Vira bicho, cria-se um exoesqueleto.
Esquece-se da dor do corpo que ainda sangra e padece pelas infecções, estas que o carrasco cuida apenas para ferir outra vez. Não delira quando em febre, não tem mais pensamentos para tanto e, quando adormece pelo cansaço, vai e volta ao purgatório. Só tem a certeza de que tudo vai ter fim, mas não conta tempo algum.
Continua ali, viva, voltada para si, sem sensores, sem sentidos.




O apanhador, se não pára de apanhar, logo desiste até de sentir dor.

3 comentários:

Bruno Azevedo disse...

Bom dia, meu amor...

De longe foi o texto mais lindo que ja li por aqui. Também foi o mais doloroso, cheguei a sentir em mim. Mas as coisas que lemos servem justamente para evocar esses sentimentos guardados n'algum lugar, perdidos por ai.

bjao enorme

Jefferson disse...

sofri.
sempre ideais. pifff, por isso nunca escrevo no meu
heheheheh

Jefferson disse...

silvis1silvis2

o seu é melhor ok REFLITA.