quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Meduso

Olhos fechados
pra te encontrar...
Não sei bem certo...
Se é você já perto
Se é intuição.



É que você mexe comigo!¹

Ignore o que vem antes da afirmação, entenda apenas que se pareço passiva é simplesmente porque eu não sei pra onde ir, o que fazer, nem por onde começar. Não há aqui o fator começo e, pelo pulsar acelerado do meu coração, nem fim. Quero fazer tudo ao mesmo tempo, dai, o corpo para, e o que deveria ser dinâmico se torna estático, fingindo que espera o melhor momento, quando o tempo acabou de parar.

Todas as minhas células se digladiam, e até tentam por em xeque a lei da física que determina a impossibilidade de dois corpos habitarem o mesmo espaço. Bobagem, ainda quero coabitar com o seu. Mas a droga do inteiro é sempre fragmento. Talvez pra compensar é que a nova viagem fica sempre sem despedida, e só a vida responde sem dúvidas sobre o retorno.

No meio das contas, você volta ali, e a verdade piegas é que só permaneceu. Eu, que fecho os olhos quando entro em nova rota, mergulhando às cegas num mar particular, só ajo assim pra não lhe decorar e duvidar sempre se as manchas dos teus olhos continuam onde estavam.

Concentro-me na respiração pra aliviar a alma das razões em minha mente, tento até obedecer a entidade do esquecimento, entretanto, é só da sua côr que eu sei de cór. Só a sua tonalidade substantivada é capaz de me causar uma síncope e todas as nuances que me deixa ver ainda hão de ludibriar meus guardas. Com o intuito de me lembrar, ainda bem que fecho os olhos. Com o intuito de sentir tudo, ainda bem que fecho os olhos.

Afinal, decorei da primeira vez: É cor de medusa, Meduso.

¹Seu olhar me petrifica!

sábado, 17 de outubro de 2009

Deixada

Sabe o que é pior em vir?
[...]
Ter que voltar.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O aroma de tudo que viaja

Meu querido Ygor,

Já é quase primavera e ainda não chegou aqui nenhuma carta sua. Estou preocupada com você. Desde o verão que não nos falamos, e da última vez que tentei te ligar, você não me atendeu. Talvez não queira falar comigo, mas eu estou cheia de tanta vontade de ouvir sua voz que uma vez telefonei pra empresa áerea pra reservar uma passagem. Acabei desistindo. Ficou se repetindo na minha cabeça você dizendo diga que não estou.

O Augusto me contou que você não anda bem e tem faltado muito ao escritório. Assim você não vai conseguir mudar de vida, nem vai parar de andar de ônibus e comprar aquele carro do ano que sempre quis. Procura aquela psicoterapeuta que eu ia sempre, ela pode te ajudar a organizar as ideias. Acredite, ela é muito boa. Sem ela eu não superaria a ideia de você com outra, e sequer estaria aqui.

Mentira. Eu não superei. Não sabe o quanto que essa última ideia me corrói, mas sabe que quero só o seu bem. E droga, eu tinha que vir, você sabe. Não dava mais pra ficar sozinha em casa esperando você chegar do trabalho, ouvindo baixinho o meu rock para não incomodar a vizinhança de idosos daquela rua ladeirada. Só as suas violetas me faziam companhia, e eu nunca gostei de violetas. Elas eram sem graça e nem enfeitavam bem a janela de nossa casa.

Juro que não queria ter te deixado. Queria que tivesse vindo comigo, pra ver os lugares legais por onde passei, com cada arquitetura legal, cada comida exótica, cada cultura diferente, meu querido. Você não desgrudaria da máquina fotográfica nem por um instante, ainda mais sendo essa profissional que comprei quando cheguei aqui e, engordaria uns bons quilinhos com essa sua curiosidade gastronômica. Pensei em te mandar as fotos e até uns temperos, mas acho que essas lembranças e aventuras foram só minhas. Na verdade, pensei que pudesse ter lembranças minhas demais.

Eu sei que fiquei de mandarem buscar minhas coisas, mas é que aqui eu não preciso de nada que deixei ai. Quase não fico em casa, nem mesmo pra dormir. Nunca disse isso, mas se você quiser, e se já não tiver feito ainda, pode doar, jogar fora, incinerar, qualquer coisa. Aproveite pra jogar fora aquele sapato de couro que te comprei naquela feira que chegou na cidade. Com certeza, já não deve servir mais. Espero que tenha dado fim também naquele tapete da sala que não deixava eu cuidar da sua alergia respiratória. Só não jogue fora os meus CD's. Mande-os pelo correio que eu vou lhe ressarcir os gastos.

Ai, Ygor, parece que estou ouvindo você cantarolar Easy - Faith no more, querendo me dizer que vai deixar de me amar assim que a tarde alaranjada de hoje virar noite escura daquelas sem estrelas. Quase não respiro, como daquelas vezes em que você defumava a casa com fumo e nicotina de tanta inquietação, antes d'eu me irritar com seu vício, molhando os últimos cigarros.

Ainda posso sentir o cheiro de perfume e cigarro na camisa que te roubei. De vez em quando, quando o coração aperta de saudade, eu visto teu abraço pra conseguir dormir. Acho que fiquei viciada em cigarro também. Não vou comprar. Mas se eu te mandar uma passagem? Você vem?

Um beijo da sua
Madalena.



Para Ygor, em Homesick.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Trôpega

- E agora você bebe?

Tive vontade de responder ironicamente um bom não é da sua conta, mas meu grunido de afirmativa serviu para que ele se sentasse ao meu lado como se a bebida pudesse nos fazer reconhecer.
Não me lembro das palavras ditas, sequer lembro das perguntas que me foram feitas. O barulho me ajudou a manter o silêncio, e eu nunca fui de falar muito mesmo.
Quantas horas se passaram, eu também não sei. Mas diferentemente de todas as outras vezes, eu só não sei, porque o tempo, dessa vez, soube passar e, entre as novas músicas e outras doses, eu tinha consciência de que ia terminar logo e a convicção de que não deveria durar.
Se quiserem saber das minhas percepções/sensações daquela situação inusitada, eu não vou querer dizer coisa alguma. Eu não tenho melancolia a desgastar, não me vieram lembranças de repente, não quis esclarecimentos, não refleti sobre o que desejar, nem sei se me conscientizei de algo além do tempo.
Como se nada pudesse ser alterado, estávamos ali, frente a frente, ora acompanhados por mais alguém, ora acompanhando um ao outro, e o tempo todo eu acompanhada de mim mesma. Nada do que um reencontro possa sugerir se configurou e eu ainda estou tentando acreditar que minha mente saudosista inventou as vezes que ele fez menção de que ia falar algo mais. Mesmo assim, fomos colados aos assentos que nem eram tão confortáveis, presos num silêncio e afastados por uma fenda abissal bem mais próxima aos meus pés.
Houve, sim, um instante que enxerguei um esboço de agonia, mas meu rosto apático e minhas feições educadas não continham mesmo qualquer incômodo ou preocupação. Talvez se a denominação fosse mágoa, eu devesse ter saído do lugar num gesto súbito demonstrador de possível ira. Contudo, eu estava no meu lugar.
O tempo corrente de agora, sem fazer sino nenhum badalar, sem nem assustar Cinderelas, nem pôr crianças pra dormir, cansou o dono do bar. Eu, guiada pelas determinações mais naturais, levantei sem nem me colocar em despedidas.
Compreendendo de que a noite toda tive os mais pequenos passos reproduzidos por alguém que não queria se afastar, notei ao lado, por acaso, a intenção de reconquista.
Minha pouca resistência talvez tenha o feito pensar depois de tudo. É que eu não sou dada a fingir estados e o fato de me inclinar não veio por força minha. Com as pernas um tanto bambas, eu nem consegui pensar em me machucar ao cair. Minha circulação já alterada, meus sentidos engraçados e meu corpo mole deram a chance a alguém para que eu fosse segurada.
Algum bêbado de cerveja e amor se declarou ao meu lado pra moça que, estabanada, saiu envergonhada e com pressa. Quando aquele tentou segui-la, me fez tropeçar:

- E você que não bebia, hein?
- Pois, é. Eu que amei você.

domingo, 30 de agosto de 2009

Acho que vou te convidar de novo

Eu não sei por que motivo você não aceitou meu convite para ir ao cinema. Quando lhe chamei, nem tive assim tanta vergonha, estava mesmo decidida a dividir uns momentos sozinha e talvez até deixasse algum romantismo fluir, muito embora soubesse que nenhum de nós é muito afeito a mel de amor.

Mas até que eu estava disposta a pedir que segurasse a minha mão por conta do frio, na sala do cinema simples que tem por aqui. Pura cena, já que tenho sempre as extremidades muito frias, até mesmo no calor que a nossa cidade inventa de fazer no inverno. Queria mesmo um climazinho mais intimista pra te conhecer mais um pouquinho, já que nossa troca de olhares e encontros em festas nunca explicaram o mistério que nos ronda.

Chego até a pensar que você pode ser parecido comigo. Esse negócio de ficar em casa enquanto todos os amigos estão curtindo as festas mais badaladas do ano, ou a pouca empolgação pelas coisas que até nos interessam. Um certo desapego generalizado. Problema é que, no fim das contas, eu sou sempre mais exagerada. E só por ser assim, é que me meto a viver experiências conscientemente porque a questão de ser é subjetiva demais pra desmistificar com planos racionais bem elaborados.

Até que com você não pensei muito. Nem quando ousei provocar seu desejo naquela festa, nem quando te convidei pro cinema. Duvido que não tenha querido ir. Duvido mesmo! Mas por que não me ligou confirmando, ai eu já não sei. Tem horas que a gente prefere não ter vontades, é bem capaz de você ter simplesmente ignorado a vontade de me ligar. O telefone deve ter ficado ali, como se tivesse olhos pra você, só que você é como eu, prefere olhar a ser olhado.

Ai fica difícil, porque quando for sua vez de me convidar, e se eu atender o telefone a tempo, - porque já não o atendi outras vezes -, é bem provável que eu invente que tenho estudos atrasados, quando já li e reli todos os livros recomendados pra prova da semana que vem. Tenho essa mania boba de me manter no mesmo lugar por um período fora do comum. Em outras palavras, esse jeito feio de nunca me perder. Vai que eu me perco mesmo com você.

Imagine! Os filmes, livros e casos de amor já fizeram o favor de incutir em minha mente que só se perde por paixão - em todas as interpretações -, e esse é um aspecto que não nos envolve. Mesmo porque, muito ignóbil pra nossa natureza pacata e serena. Bobão. Ficar em casa era tudo que eu queria. Se invertesse os papéis se aproveitando da minha ideia, eu iria pra sua, assistir filme locado, com as mesmas mãos frias e a mesma vontade de pedir calor.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eu não ligo

Eu não gosto dos teus amores! Já deveria ter lhe dito isto antes, mas eu sempre fico emudecido diante dos teus discursos filosófico-sentimentais, querendo achar argumento certo pra te convencer a ser só minha. Mas nada. Não me vem nada à cabeça que possa lhe tocar o coração. Por certo, qualquer coisa que eu dissesse você transformaria em poesia lírica e eu, tomado de encanto, embasbacado, apenas fingiria ter raiva de você, por parecer brincar com tudo que é meu.

Não é você que tenho vontade de esganar, muito embora essas tuas saias de pregas me incomodem quando passeamos. Sempre peço pra que vista uma coisa mais comportada, mas - diabos! - você adora ter as pernas à mostra e o ventinho com a sensação de uma liberdade que faz questão de expressar. É um saco ouvir dos outros que você parece atiradinha e brigar por isso.

Ainda assim, não me aguento e te chamo sempre pra sair. Eu nem ligo de você passar a metade do passeio falando dos casos que aconteceram no período que não nos falamos, manifestando opiniões sobre os romances dos amigos que você aconselha e, quase sempre ainda tenho que te dividir com as ligações que não param se eu não desligar teu telefone.

Queria não desgrudar de você, mas até que gosto de ficar só te observando correr na minha frente pra ver mais uma saia numa vitrine qualquer, ou quando dá os conselhos pelo telefone depois de ter ouvido lamentações, mordendo os lábios cheia de preocupação, ou ainda quando me puxa pela mão com pressa para entrar na fila do sorvete.

Ainda bem que eu não tenho o número do teu telefone. Ia querer ligar a todo momento pra ouvir essa sua voz de quem acaba de acordar, e tentar imaginar com que roupa está vestida sozinha em casa, tomando um daqueles chás que te deixa um gosto na boca que eu detesto. Sorte a minha ter tido o celular roubado no dia em que te conheci, sorte a minha você ter tido medo e pedido pra eu te acompanhar até em casa.

Desde então, passo ao menos uma vez por semana pra te levar pra sair. Lembro da vez que tive que viajar a trabalho e não gritei teu nome pra que aparecesse da janela. Fingi ter tido um pesadelo por ter acordado os colegas com quem dividia o quarto. O vizinho de baixo do teu prédio já nem liga mais pros meus berros, e só resmunga "pra que existe interfone?". Ele não sabe que eu adoro o teu nome, e que preciso gritá-lo de vez em quando pra que deixe de martelar em minha cabeça o tempo todo.

Desce menina, hoje é dia. Vem sair comigo. Veste algo mais decente que a gente vai prum lugar diferente dessa vez. Lá já tem sorvete e até algumas saias suas. Vem. Quero te levar pra morar comigo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Sufocamento

Ali, tão perto. Controlei a respiração, absorvendo pequenas moléculas de oxigênio aos poucos, como se estivesse me faltando ar, apenas para não inspirar sequer uma molécula do seu cheiro que vinha do outro lado da rua. Se eu suspiro por um momento, num vacilo, correria o risco de, mais uma vez, ficar impregnada de você e não o quero mais entranhado em mim, nem mesmo naqueles sonhos calientes em que, alheia a minha razão, meu corpo pode controlar a minha alma.

Sempre sei quando está por perto, embora nunca o veja, como daquelas cousas que os olhos não veem, e o coração pressente, ou daqueloutras em que um sentido é compensado pelo outro. Talvez por isso o coração já não pulse como antes, nem volte aos tempos das pulsações inquietantes, por tantos encargos que os cinco sentidos comuns tenham lhe confiado, ao me desenganar.

Saída do engano, guardo a mera idéia das sensações que revivi, ao abrir o frasco de perfume na minha mente. Agora, nem quando quero, posso sentir. E a recíproca, absolutamente verdadeira, por falta de um triz, não fecha as minhas pálpebras num desmaio por sufocamento.

Deixe que as suspeitas recaiam sobre o peito por conta dos pulmões. Guardo comigo, nas vias vermelhas, toda essa falta de a - r.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Mochileira

Leve-me com você. Nem sei o motivo, mas acho que iria pra qualquer lugar. Do objetivo, talvez saiba, mas não quero fazer dele a razão, quero muito além, quero mesmo é emoção.
Vamos passar no supermercado e comprar uns mantimentos pra viagem sem rumo e cheia de sentido. Mais na frente a gente passa num bar pra se despedir dos seus amigos, beber a saideira sem nem começar e convidar os mais aventureiros a aparecerem.
Não os convide pra ir conosco, quero você ao menos uns intantes 'finalmente sós". Só pra ver se descubro algo mais, que agora está difícil decifrar e definir. Faz duvidar o desafio e, mesmo que não pareça mais ou menos interessante, é tão estimulante estar na situação tal.
Essa situação de não conhecer, mas querer muito. E muito mais do que apenas conhecer.
Vai ver não tenho mesmo bom gosto, ou o gosto seja só mais um sinal, e sinais não andam servindo para o mundo, e eu, diferente do mundo, ando querendo todo o conteúdo.
Já calculei distraidamente a sua altura e até o tamanho dos seus cabelos, já até me insinuei - coisa pra lá de incomum, mas as coisas não se projetam, não se geram por si só. Onde é mesmo que eu aperto o botão "Iniciar"? Parece que nem comecei a tentar ainda. É porque não estou tentando, só buscando conseguir.
Leve-me com você, nem precisa me chamar pelo apelido carinhoso, basta saber meu nome e reconhecer os carinhos de minhas mãos em sua cabeça e nas panturrilhas que tenho mania de (querer) mexer.
Ou melhor, vou chegar até você, ser levada não é do meu feitio, e eu aqui pedindo sem medir só pra fazer cena. Eu aqui querendo falar mais, quando tenho predileção pelo silêncio. Curiosidade sem origem que, portanto, não é curiosidade, sendo apenas vontade. Tenho até boa vontade de fazer-lhe o café. Tenha, então, não boa vontade, mas vontade boa e me leve com você.
Acredite, devo pesar uma bagatela. Pegar-me no colo em ritual matrimonial é coisa brega. Viu, até que nisso não sou careta.
Eu vou é na sua mochila vermelha
*!

* - cor nº 1.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A felicidade é coisa de cão.

Ver aquele cão, vindo de não muito longe, com a maior felicidade presa entre os dentes, me tomou de uma alegria fascinante, e ri na praça logo ali como a menina boba que brinca com seu melhor amigo ainda filhote.
Vê-lo correr com aquela garrafa d'água vazia em minha direção pareceu ser a coisa mais fantástica de todo o mundo, naquele momento. Se eu fechar os olhos, posso lembrar dele em câmera lenta:
E vem vindo, correndo, com os pelos acinzentados, embaraçados e sujos balançando com o seu movimento frenético e empolgante até chegar a menos de um metro de minhas mãos prontas a afagá-lo.
Quando chegou perto, parou, largou o seu brinquedo, não veio até mim, porque não era para mim toda aquela alegria. Mas eu me inebriei com o prazer de ver seus olhos brilhantes mais puros que de qualquer ser humano.
Nem sei se parou por alguém, muito menos se veio por alguém, acredito que parou no meio da praça para rolar no chão, brincando com ninguém mais que ele mesmo. O que sei com exatidão é que vi, alegrei-me e continuei todo o caminho alegre por conta da felicidade boba que ele irradiava, sem precisar olhar de novo, sem querer olhar pra trás, como se mais a frente fosse ver milhares dele.
Não foi preciso afagá-lo para absorver qualquer sentimento bom, e eu teria feito com prazer, ignorando qualquer lama presa ao seu pelo, afinal, nada haveria de ser mais suave que o carinho que ele devotava ao seu objetivo ao correr daquele jeito.
Quis ser mais que seu alvo, quis sê-lo. Correr pelas ruas e praças, entre desconhecidos, pouco ou nada me importando com as adversidades e obstáculos do caminho, carregando comigo qualquer coisa sem razão, só para me divertir e brincar de viver vivendo.
Eu ri dele, por ele, e certamente riram de mim por conta disso, e pessoas riram de pessoas e a alegria se disseminou como cheiro bom de flor com a brisa leve.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Um sentido compensado

- Está ouvindo?
[...]
-Hei, está ouvindo?

Lenine MTV - A Medida da Paixão


Quando eu voltei a ouvir, emudeci.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Multicolorido

Poderia passar o resto dos meus dias contornando com os dedos todas as tuas tatuagens, (re)descobrindo sempre cada traço, numa tentativa vã de borrá-los, porque sua pele me causa agonia, e, louca, já estou perdendo os eixos sem poder tocar.
Não me deixe te morder, meus dentes vão querer te mastigar, no instinto voraz de tribo guerreira que os mais belos e corajosos se quer incorporar.
Venha, ou me deixe chegar; se não gostar, não tem problema, eu também sei devorar com um olhar. Mas se deixar ou se aproximar, ah, vou garantir sutil calor sem ser preciso um só movimento.
Devagarzinho, num abraço insólito, meus dedos treinados, danados, se guiam no escuro dos meus olhos fechados e alcançam a delicadeza imperceptível das tintas diversas em seus ombros. De olhos fechados, meu tato há de decifrar todas as cores.
Terei milhares de mãos, mas prometo não avançar, a não ser que você queira. Ah, se você deixar!.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Todo torpor

capital inicial - fogo

Nunca vi tamanha harmonia naquele corpo esguio, muito menos aquela alegria no rosto comumente sério. Fiquei fitando ela de calcinha branca com o busto nu, coberto apenas pelo mp4 pendurado no pescoço, com cara de babaca e preso ao chão.
Ela nem me ouviu bater na porta e eu entrei achando que podia. Nem ouviu nem me viu, estava perdida, ou achada, em si mesma, dançando diante do espelho como se estivesse seduzindo alguém. Parecia uma adolescente apaixonada, eu nunca pensei que pudesse ser assim. Mas estava lá, se divertindo com a música que ouvia sozinha, como se fosse a maior maravilha do mundo estar com os seis desnudos balançando e os cabelos desarrumados se arrumando ao vento, sem convenções.
Por um segundo cheguei a cogitar que eu teria alguma influência sobre aquela alegria descomedida que ela só mostrava para o espelho no quatro fechado. E que quarto cheiroso! Milhares de cheiros dos vários cremes que ela inventou agora de passar pelo corpo para envelhecer mais devagar, acreditando que a velhice chega num piscar de olhos.
Que piscar de olhos que nada. O vigor da juventude todo ali e ela escondendo de todo mundo nas roupas folgadas. Eu não havia imaginado o quanto era bonita daquele jeito, nem mesmo nas vezes que medi sua silhueta com as mãos. Mexeu tanto comigo que eu nem consegui me mexer, e o meu piscar de olhos foi uma eternidade, não porque eu me esforcei em segurar minhas pálpebras para que não se movimentassem, com medo de perder toda aquela imagem deliciosa.
Meu Deus, aquela imagem não sai da minha cabeça!
Inerte, quando consegui pensar em tomá-la para mim, a música acabou.

- O que você está fazendo ai? - disse, rindo de mim.
- ... Vim trazer café pra você! - respondi dando as costas envergonhado. Ela me acharia um tarado.
- Dei-me aqui!
[...]
- Uai. Está frio.
- Desculpa. Acho que esfriou. Espera. Eu pego outra xícara.
- Não precisa. [...] Ei, fala olhando pra mim.

Que diabos ela tinha que me mandar olhar de novo? Daí, que não consegui tirar mesmo os olhos de seu corpo.

- Obrigada.
- Não há de quê. Eu conheço seus vícios. - Quis parecer dominante. Ilusão!
- E é?

Veio em minha direção, tirando um dos fones do ouvido para colocar no meu. Quase derreti quando passou meus cabelos para trás, descobrindo minha orelha.

- E então...
- E então, o quê?
- Não conhece meus vícios?
- Acho que sim. - Titubiei.
- E então...
- E então, o quê?

Um sorriso malicioso se fez nos lábios rosados:

- Me beija!

domingo, 17 de maio de 2009

De onde vem a calma daquele cara?

Ele sempre fica sentado sozinho naquela mesa, por volta das 16:00, lendo um livro qualquer, escrevendo sempre tão atento ao que faz.
Da vez que passei por detrás, só pude perceber a letra borrada, esticada para direita, meio apressada e de traço constante, carimbada por uma daquelas canetas que soltam muita tinta ao escrever.
Fiquei com medo de que ele parasse de fazer o que fazia constrangido pela minha curiosidade excessiva e incomum e passei tão rápido que nem pude perceber o título do livro.
Para falar a verdade, eu nem conseguiria fotografar tudo o que se encontrava disposto naquela mesa. Acho que ele é espaçoso. Ou fui eu que me vi agarrando os cabelos amarrados e loiros dele pra sentir o cheiro de shampoo e esqueci de prestar atenção no resto, durante aqueles dois segundos que a pouca coragem me deixou aproximar no máximo.
Ele toma chá em lata. Ainda não sei se é de tangerina ou pêssego, mas ando pensando em perguntar, só não pensei no contexto ainda.
Ando pensando em aparecer por ali mais vezes também, mas às 16:00 eu quase nunca estou disponível. Ainda bem que é quase nunca.
Às 17:00, ele levanta ligeiro, carregando todas as suas coisas agarradas ao peito como se não quisesse falar com ninguém, nem mesmo se fazer perceptível. Acho que ele nem faz idéia que eu estou quase aficcionada por ele.
Pensei em dar um nome, mas acabei o batizando de Psicopata, sendo eu a maluca da história. Já até inventei que ele esboça croquis de destruição em massa, estuda química pra fazer bombas, ou simplesmente gosta de ler, ou ainda que pode ser professor de alguma coisa.
Acho que ele não é mais secundarista, mas também não faço idéia se já faz curso superior. Nem sei a idade dele, acho que deve ter cerca de 18 a 20 anos, talvez. Ou pode ser mais velho pouca coisa.
Acho que ele não é daqui. Ele tem cara de ser filho de pai transferido de empresa grande. Ele deve ser filho único, ou os pais dele podem der adotado uma menina negra.
Gosto dos cabelos dele. Acho que já disse isso, não é mesmo? É, eu disse. Então, deixa.
Gosto das sobrancelhas dele. Muito embora eu nunca as tenha reparado de perto, já notei que o rosto dele fica forte com o desenho que elas fazem.
Ele tem jeito de nerd, e quase sempre está com uma camisa escura, uma calça jeans, cabelos amarrados e livros rente ao peito.
Não gosto das pernas dele. Mas pensando assim, acho que não gosto mesmo é da pressa que elas exprimem.
Tento não ficar olhando muito. Já pensou se ele resolve mudar de hábito e encontrar outro ambiente? Como eu ficaria sem o ponto certo pra admirar e fazer conjecturas? É melhor que nem passe pela cabeça dele que ele chama tanto a minha atenção. Afinal, chamar atenção não é a vontade, em hipótese alguma. Melhor que eu o deixe por lá e mantenha minhas vistas sempre atentas.
Acho que ele trabalha na temakeria. Já pensei em pedir um temake pra verificar, mas ando um tanto tímida depois que perguntei a uma das garçonetes sobre ele. Vai que ela já contou alguma coisa...
Ele é encantador, sabia?
Será que eu conheço alguém que ele conhece? Hum, não. Ele anda sempre só.
Hoje é domingo, ele não deve aparecer por lá. Deve evitar multidões também.
Talvez semana que vem eu apareça por lá. Talvez eu sente numa mesa mais próxima, talvez eu pergunte as horas, ou o que ele acha do tempo, ou qual é o nome dele, ou quem sabe eu consiga descobrir o título do livro.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Troca de fechadura

05 de fevereiro de 2003

Minha delícia,

Ainda quero te ter outra vez em meus braços, Judite.
Se eu pudesse não teria deixado você partir naquele dia. Nu, agarrado ao nosso lençol branco, escondendo meu pecado, eu não poderia cometer o deslize de deixar a outra só, enquanto eu corria atrás de você.
Erro por sobre erro, cometo um de cada vez, mas Deus sabe o quanto não queria ter errado com você. Eu sei todos os dias do meu maior deslize e sofro ao querer gritar teu nome para que volte ou gozando do sexo ardente com a moça da boate de ontem à noite.
Eu nem sei pedir perdão...
Ah, Judite, como eu quero te ter outra vez em meus braços e te consumir por inteira. Seria feliz ao me enrolar nos teus cabelos negros de fios grossos e sedosos, deslizar por teu pescoço delicado e fino, alcançar teus ombros e mergulhar em teu colo bem feito de seios enrigecidos e pequenos. Percorro teu corpo esguio de olhos fechados com as mãos no ar, reagindo às lembranças que você me deixou, ao desejo latente de te sequestrar e ao amor sufocante que só senti por você.
Volta Judite, eu mudo os lençóis, mudo as toalhas, mudo os móveis, mudo até de apartamento, troco até de celular, me rebatizo com o nome que você quiser me dar, mas volta Judite! Volta Judite, ou vou procurar outra mulher de mesmo nome para colocar em seu lugar!
Não sabe que enlouqueço sem você? Que pareço um menino em corpo de homem à procura de prazer vazio nas noitadas por ai? Até hoje eu não aprendi a viver sem você. Deito com qualquer outra pensando em você, procurando por você, desejando e clamando por você.
Droga, Judite, quanto tempo já tem que você me pegou com a vizinha de andar na cama? 5, 6 anos? Já não lhe dei tempo suficiente para aceitar a decepção?
Poxa vida, você sabia que eu era fraco para mulheres bonitas. Vá lá que a vizinha não estava no ponto, mas nem mesmo você, que conhecia das minhas fraquezas, tinha idéia da falta que teu corpo perfeito me fazia naqueles dias em que você viajava.
Inferno, Judite, por que fazer surpresa se sabia que eu não gostava, se sabia que corria riscos? Tinha que chegar sem avisar?
Eu não devia ter lhe entregado as chaves do meu apartamento.

Orlando Praga



p.s. Eu não devia ter lhe entregado o meu coração!

domingo, 19 de abril de 2009

Assexuada

Eu conheci Ana em uma esticada de artistas depois do teatro. 'De cara', gostei do jeito livre dela, Tinha uma beleza gostosa de mulher desajeitada com um toque todo especial de elegância high society. Eu me encantei pelo ar propositalmente desarrumado, sabendo que metade daquela arrumação tinha sido premeditada, mas confesso que foi o rosto limpo, sem maquiagem, o que mais me agradou.

Numa mesinha de bar, ao som de um cantor sem voz tentando ganhar a vida nas noites da cidade, ela me acompanhou solidariamente na água, enquanto todos os outros se deliciavam com seus drinks e coquetéis bem elaborados.

Ana gostava de falar, e como falava! Olhava diretamente nos olhos do seu ouvinte, tentando hipnotizá-lo para não ser refutada. Não sei se também fui hipnotizada, mas até hoje acredito que todas as suas palavras estavam absolutamente certas, embora não tenha podido tomá-las por convicção. Distante duas ou três cadeiras de mim, mesmo que estivesse falando para outra pessoa, era para mim que olhava com atenção. Não sei por que, mas aquele olhar não me causou medo, senão intensa curiosidade.

Nem me assustei quando ela deu um jeito de sentar do meu lado, chamando a atenção dos outros à mesa, ao substituir prontamente o meu vizinho que fora ao banheiro. Lembro que Pierre, o produtor, alertou-me para ter cuidado com ela, fazendo meu rosto enrubescer, e fez chacota sobre eu ser carne fresca. Pouco me importei, talvez tenha até gostado da atenção que tirei ainda mais de Ana depois do comentário. Posso confessar sem medo que tive interesse tanto quanto ou ainda maior.

Achei que a noite passara rápido demais praquela nova experiência pela qual Ana queria me levar/levava. Falamos de música, de teatro, de pintura, de literatura, e para falar a verdade, não concordei com quase-nada, mas aceitei as verdades de Ana com profunda admiração, sem poder refutá-la.

Cada um em direção ao seu carro, a noitada no fim, Ana me segurou um pouco mais, agora disfarçadamente. Queria que meu passo fosse lento o suficiente para me surpreender sem que ninguém percebesse. Talvez se tivesse sido efusiva, ninguém percebesse mesmo, afinal, o nível de álcool no sangue estava muito além do permitido para dirigir.

Mas Ana estava sã, sem nenhum sabor de álcool em seu lábios ou língua. Como sei? Ana me puxou para um vão no estacionamento em que parados juntos estavam nossos carros, e me beijou com fulgor de adolescente apaixonada. Nem sei se retribuí como queria/devia naquele instante, mas consigo lembrar de cada movimento dos nossos rostos e músculos fundidos ali.

Depois ela me disse direta e incisiva que não era lésbica, mas logo emendou um beijo terno depois d'eu ter dito que "artistas são como anjos, Ana: não têm sexo!"

quinta-feira, 9 de abril de 2009

De falhos a belos errantes

[De como belos errantes uma dia foram simplesmente falhos]


O fato de somente os pais estarem legitimados a errar não parece injusto, afinal, trazem consigo a justificativa suprema e inquestionável de estarem sempre em busca do melhor. É ainda mais inquestionável se for possível valorar qualquer sentimento fruto de relação divina, ou se o sacrifício puder ser computado em alguma prestação de contas.
Assim, nada se questiona por ser deveras inquestionável. Ora, mas vá, como erram! São os mais belos errantes pelas causas mais nobres já existentes, ainda que não surtam efeito algum ou signifiquem mesmo nada.
Numa troca clara em que ninguém almeja trocar nada, as coisas se fazem por incondicionalidade, e o sangue, ignorado por ora, é a explicação esdrúxula mais plausível que se pode apreender.
Talvez seja a coisa mais simples da vida, sendo mesmo da natureza, e por assim dizer, imutável. Entretanto há que ser reproduzido em contexto tal um ensinamento aforístico não-relacionado diretamente que se aplica ao caso: "As coisas mais simples são as mais complicadas". Nisto trazido à leitura agora, é que o ensinamento se mostra mais (per)feito.
Quem há de explicar relações fraternas com a propriedade magnânima dos atos já concretos? A nenhuma das partes foi dada a capacidade de sintetizar as teses e antíteses surgidas de maneira complementar.
Das teses dos belos errantes às antíteses dos simplesmente falhos, não postos antagônicamente - posto que isso desconstituiria toda a realidade fática -, o que os cinco sentidos podem perceber está muito aquém do que existe.
Aos falhos nominados filhos, com ânimo de (re)agir tão peculiar, é dado o cargo de aprendiz. Mas aprendiz de belo errante não é coisa fácil de ser. O aprendiz não tem justificativa alguma para proceder como lhe é impelido a fazer, mas felizmente, poucos raros são os que se sabem aprendizes e vivem sob a custódia da culpa de errar injustificadamente.
Injusto é não serem perdoados quando não foram feitos para outra coisa senão errar, sendo, pois, os mais dignos de perdão. Pior, é não poderem em hipótese alguma trocar de lugar com os mestres, mesmo quando já os tenham superados.
A estas criaturas, nunca pobres coitados - pois, como dito antes, não existirá prestação de contas -, resta a possibilidade, sempre recordada, ainda que nem sempre vontade, de terem seus próprios aprendizes, começando tudo outra vez, com a mesma justificativa de sempre.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Traço de amargura (?)

Um telefonema o acorda. Era seu pai lembrando a ele que não deixasse de alimentar o cão, e ele, esquecido, disfarça mentindo que já o fez para logo desligar o telefone, sem sofrer a mínima bronca.
Um barulho vindo de dentro da casa movimenta sua curiosidade e o impulsiona a vestir a bermuda, mas o fato de levantar risonho já indica o conhecimento a respeito da sua companhia.
Procura ansioso, preparando um ataque surpresa, a origem e o causador do barulho, enquanto o cão o persegue faminto e carente. Pela casa toda, a procura é tão vã quanto a vontade de surpreender, e a percepção de estar só é que o assusta.

Certamente, foi o cão que tentou alcançar a bandeija de petiscos quase intocada, ignorada e deixada na cozinha, por ele ter se dirigido ao quarto de olhos entreabertos e revirados, tombando em todos os móveis que foram ora suporte ora obstáculo para o conflito acirrado que acontecera ali há apenas alguns instantes.
Na cozinha, parado, apoiado na pia, alcançou e bebeu o restante de vinho deixado numa das taças. Olhou para o objeto tão frágil, bem definido, comprido e, delicadamente, sentiu o aroma da última gota de vinho, tocando o cristal com os lábios repetidas vezes, até que pudesse engolir. E como se aquela única dose de vinho pudesse surtir gigantesco efeito fisiológico sobre o sistema cardiovascular, sentiu o sangue quente e, de repente, se fez rude, deixando grosseiramente a taça na pia, a tendo feito estalar.
Sufocando a cólera que bebeu daquela taça, deu ração ao cão que lhe tinha pena, mas fazia parecer fome, e tentou arrumar os móveis, objetos e quadros que havia tirado do lugar pouco tempo antes. Queria de uma vez mudar a decoração do seu lar, queria mudar a decoração do seu coração.
Cheio de dúvidas, com o coração numa das mãos, pegou o telefone com a outra. Apertou uma das mãos, imaginando ser a que segurava o telefone, mas sequer percebeu que estava a espremer o próprio coração. Nem mesmo o número conseguiu lembrar. Nem sabia o que queria dizer. Estava mesmo assustado. Lembrou-se da última ligação, tinha sido um pedido para lhe fazerem uma visita. Era o número certo.
Discou o atalho. Caiu na caixa postal.
Concluiu a organização da cozinha e da sala, quase sem força, pois era preciso que o ambiente fingisse por ele que nada acontecera. Arrumou a casa nos lugares onde qualquer visita não pudesse apreender o implícito muito além das aparências. Deixou o quarto por último.

No cômodo mais íntimo, não sabia por onde começar, não possuía noção alguma do que seria começo, do que teria sido o começo daquela desordem absurda.
Para onde iriam todas aquelas peças de roupa espalhadas? Como ele iria dasamassar os lençóis? Como iria se aquecer naquela noite? Como faria para dormir de novo? Como faria para se sentir melhor depois de ter acordado? Desistiu de pôr ordem no lugar. Era a imagem fiel da sua sensação, não poderia ser mais confusa.
Sentou-se e apoiou a cabeça nas duas mãos. Pensou tanto e só pensou no que pensar. O cão lhe foi solidário, futucando-lhe com o focinho frio. Ele não se sentiu menos só, mas afagou a cabeça do bicho, em agradecimento. Talvez tenha enchido os olhos de água, mas não quis demonstrar nem pra si mesmo. Bobo, ainda tentava fingir o que estava explícito exatamente no além-das-aparências.


Ela havia aceitado o convite para estar com ele aquela noite, com a simplicidade do desejo. Linda, perfumada e provocante, com uma meia calça sexy que só a sua personalidade não tornava vulgar, chegou, mal aceitou o vinho e os pesticos, mal deixou que ele falasse e/ou encenasse tudo que havia planejado, tirando-lhe logo o fôlego, ao tropegarem juntos até o quarto. Explodindo de angústia e pressa, ela impôs que ele se deixasse guiar. O mundo iria acabar dali a pouco.
Tudo acontecido foi tão narrável de ênfase que só para os dois não seria exagero. Ela havia comandado tudo, mesmo sendo ele o mestre dos acontecimentos.
Não tendo planejado nada, ela o esperou dormir. Consertou, então
o travesseiro e o beijou com toda a delicadeza que lhe era comum, mas que não houvera se manifestado em momento algum por dar lugar a extrema selvageria.
Olhou tudo em volta, já da porta, muito mais para se assegurar que tudo estava bem do que para gravar em sua mente as imagens que se mostravam ali. Brincou com o cão, trancou a porta por fora e enviou a chave pela fresta.
Despediu-se do porteiro, garantindo uma última olhada para a torre de concreto que acabava de sair, sem carregar consigo coisa alguma.

Ele não entendeu a partida, sem sequer um bilhete, depois de dentro dela regozijar o prazer de entender que a possuíra. Porém, só então compreendeu que era ela quem vivia dentro dele; e fora dele, livre e só.

domingo, 22 de março de 2009

Ligação anônima

Com a mão no aparelho pensei na loucura de telefonar pra dizer as coisas que ela pediu sem que sequer tivesse vontade de dizer.
Talvez ela achasse muito estranho ouvir minha voz infantil, talvez achasse graça na minha falta de jeito, talvez ignorasse minhas palavras ao pensar que fosse trote. Certo é que ela faria tudo isso, afinal, meu telefonema não passaria de uma peça pregada por meu eu-infantil.
Mesmo assim, segurei o telefone e o fitei por alguns segundos tentando, ao olhar para as teclas, descobrir o número da residência dela. Nem sei se tem residência, parece mais que tem apenas celular, acho até que mora só, nem deve estar em casa uma hora dessas e, se estiver, deve ter alguma companhia lhe ajudando a preparar o almoço de domingo, ou mesmo pode estar ocupada demais com o fone nos ouvidos enquanto faxina a casa.
- Queria saber o que ela escuta e se vê graça em faxinar a casa como eu.
Ela deve morar em algum prédio, e o apartamento dela deve ter varanda, e deve ser muito engraçado vê-la gritar as músicas felizes de Zeca Baleiro enquanto varre a sala.
A cozinha dela deve ser prática porque penso que ela não deve gostar de perder muito tempo cozinhando pra si mesma. Então, nem deve ter pratos sujos na pia, além de um copo, uma caneca, um prato, uma colher de chá e o pote de danoninho, remanescentes do rápido café da manhã.
Porém, hoje é dia de faxina e ela deve ter tirado algumas panelas pra ariar, lembrando que a mãe sempre reclama que as panelas de alumínio precisam estar brilhantes quase como espelhos. Talvez ela não goste da idéia de estragar as unhas vermelhas com a esponja de aço, e nessas horas deve preferir as panelas de aço inoxidável que viu no canal de vendas. Não, talvez ela já as tenha e dispense esponjas de aço e muito detergente porque fazem mal ao meio ambiente.
Aliás, ela nem deve usar panelas cotidianamente. Acho que encomenda marmitas e se salva com o microondas quando chega do trabalho - ou será universidade? - no horário de almoço. Acho também que ela deve detestar o gosto que o microondas confere aos alimentos, ou melhor, o gosto que tira.
- Nossa, como ela deve estar ocupada. Se eu telefonar nem vai escutar o celular tocando a música de entrada da novela das 20h que passa na Globo - deve ser hilário vê-la tentando cantar a música indiana da moda, só por conta do seu nome de mesma origem -, e ai meu número vai ficar gravado... e se ela retornar?
Pior se o celular estiver no bolso da bermuda velhinha-de-fim-de-semana-em-casa, com o vibracall acionado, ela atender e eu ficar muda. Ela pode pensar que tem algum psicopata apaixonado por ela e desligar o telefone na minha cara. E ela jamais faria meu tipo, sem preconceitos, mas não gosto de mulheres.
- Queria saber que livro ela anda lendo e o que vai fazer no sábado que vem. Estava pensando em ir à praia lavar a alma.
Posso ligar pra saber dos contos que ela mais gostou de ler e confessar o prazer que me dá ao vê-la sempre perto de mim. Entretanto, minha repulsa por telefones me impediria de passar tantas horas apegada a fibras ópticas. Aliás, meu favoritismo pelo silêncio me impediria de dizer qualquer coisa num primeiro encontro, e minha mania absurda de achar características em vozes costuraria-me os lábios. Ela certamente acharia estranho meus grunidos de confirmação.
- "Hum", melhor não telefonar. O que eu poderia dizer, não é mesmo?
Talvez eu pudesse dizer que quando tenho a idéia de escrever, penso qual a interpretação que ela vai escolher; que me condeno ao deixar que a preguiça e a falta de tempo me abatam por não escrever; que ela me traz os melhores sentimentos em forma de estímulos - opa, comentários.
- Ah, não custa tentar. Que mal há em telefonar para uma estranha?
E se ela for psicopata? E descobrir meu endereço e vir me sequestrar? [...] Seria um sequesto cultural, ando precisando mesmo respirar novos ares. E se ela não for nada disso, e não passe de uma boa escritora ilusionista como o personagem do filme que vi na madrugada de anteontem?
- Acho que criar suposições não está adiantando muito. Vou ligar!
E se ela rir da minha iniciativa?
- Não importa o que ela seja ou pense, devo seguir minhas atuais vontades antes que elas se dissipem.
Agarrando-me ao telefone, procuro um lugar mais calmo, em que a acústica de minha casa não possa atrapalhar a sonoridade da minha dicção. Perto da piscina é lugar bom e lá nem chia.
[...]
- Olha, o 'Princeso' está carente. Não morde, 'Princeso', isso dói. Da última vez que você veio com essas brincadeiras, minha mão inchou. Não é porque você tem esses olhinhos pequenos, esse corpinho musculoso, essas manchas charmosas, esses dentes afiados, essa carinha de pelúcia e essa empolgação toda que vai me fazer derreter. [...] Caramba, 'Bandite', já disse que dói. Ah, não quero brincar mais.
[...]
- 'Bandite', volta aqui. TRAGA O TELEFONE DE VOLTA! "Garoto mau"!







[...]
- Tudo bem, eu não sabia mesmo o número dela.



A antecipação absolutamente válida de uma homenagem a Vitória*, que merece boas atenções pelo coração apaixonado e apaixonante.



p.s. Abro a doce exceção das homenagens. Deixo os outros contos para depois.

terça-feira, 10 de março de 2009

No corredor

Às vezes, a bobice dele desaparece quando se encontram naquele corredor que é território dela. Fica sério como se não fosse a mesma pessoa que vai em sua casa aos domingos rir das histórias que aconteceram no decorrer da semana. Ao menos ele a cumprimenta como se deve, e como ela veio cobrando há tempos.
É engraçado perceber a falta de jeito de ambas as partes. Ora ele, ora ela, mas em alguma hora, alguém sempre se constrange e se altera, deixando de ser precisamente a pessoa de quem se faz idéia. Vai ver que nem uma idéia deve ser feita, mas é lógico que os dois fazem mais de mil.
O cumprimento-abraço só acontece no corredor, ou ao menos próximo a ele. Será que o corredor exerce alguma influência sobre o par? - Que surreal seria. Não sendo passível de comprovação alguma, é simplesmente fato que os dois se dão um pouco mais de tempo para conversar ali.
Parece que andam se mostrando mais dispostos. O que antes parecia mínima aversão causada por receio infundado, agora é entendido como singela dificuldade de aproximação. Vale dizer que é da parte dele, afinal, ela só responde às indagações, como se não estivesse se importando com nada mais além de chegar ao fim do corredor. Não sendo fingimento, trata-se da natureza de não manifestar desejos latentes surgidos quando da conquista por meio da piada sem graça e desenvolvidos pelo calor dos toques incisivos em tempo pretérito.
Ela está quase sempre entrando, enquanto ele está quase sempre saindo, mas tem um ponto no corredor que é dividido entre os dois. Melhor, é dividido pelos dois.
Uma piada pra quem espreita disfarçadamente o diálogo que ele tenta promover, ao tempo em que ela se faz mais monossilábica que o normal. - Quanta pressa em largá-lo!
Mocinhas que passam por ali maliciam a conversa morna. Impossível lhes tirar a razão, vez que já fora muito quente, quase a enlouquecendo à época.
Logo, a dona do território segue o caminho do corredor até o limite, e ai, quando pára e olha para trás, é que se pergunta, um tanto feliz e um bocado confusa,"o que é que ele quis dizer com 'domingo eu estarei lá de novo'?".




[ :D]

sexta-feira, 6 de março de 2009

Bom fim de amor

Há algum tempo, alguém incrivelmente especial me contou sobre como funcionava seu coração. Eu achei tudo aquilo muito lindo e, por um instante, quis ter o coração igual, mas estava marcada demais pra ser tão pura. Vivi, então, daquela pureza, através da dita pessoa.
A sutileza marcante encravou-se em meu meu peito e fez de muitos dos meus escritos serem elaborados pelo querer sê-la.
Tudo que o Pe. Antônio Vieira me disse no dia do Sermão do Mandato, e que eu julgava cristão demais, se fez vivo e real na pessoa a que devoto inteiramente o dia de hoje e todos os outros desde que a conheci.
Tudo que o mestre Schopenhauer me ensinou, e que eu acreditava piamente, só desapareceu por conta da pessoa a que reverencio por admiração e respeito.
Como um aviso, revelo que o que aqui se insere, por extrema ousadia, é a marca sutil de alguém que ama demais o que não deveria amar.
Ela me contou esses dias que fechou seu coração, no que lamento muito. Poderia ter sido qualquer um, menos ela.
Há pouco, num reencontro marcante, enquanto revelava que o seu amor perdera a cor, me fez prometer que eu a lembrasse de como tinha sido tudo.




Los Hermanos - Sentimental (orquestrada)



"Bom dia... amor",


ela lhe disse.
Mas ainda não havia amanhecido e ele sequer estava acordado.
Disse-lhe inicialmente com a voz elevada e na última palavra imediatamente se conteve, apenas sussurrando. Não tinha intenções de acordá-lo, nem mesmo sabia explicar porque falara. Na verdade, pensara alto.
Haviam cochilado depois de se tocarem e quase ocupado o mesmo espaço físico. Ou mesmo ocuparam...
Ela não sabia pensar mais. Sentou-se e, do lado, olhou para ele confortavelmente estendido. Pela primeira vez, às escondidas, se sentiu verdadeira amante, pela primeira vez, diante dele, se sentiu cuidada sem que ele ao menos a estivesse olhando.
A janela estava entreaberta e lá fora soprava uma leve brisa fria. A madrugada sempre fora seu horário preferido. A pouca luz parecia querer esconder seu semblante e qualquer defeito.
Estava leve, serena, mas seu rosto fixo, congelado, quase sério. Respirou fundo de olhos fechados enquanto o vento tocava-lhe o pescoço suavemente. Ele apoiou-se em suas pernas e levantou aos poucos fazendo com que abrisse os olhos lentamente, sem se assustar com o toque. Acostumara-se ao contato num único momento.
De frente, ele a fitou profundamente. Sem conseguir pensar, foi atormentada por tantas dúvidas quanto podia sobre os pensamentos dele. Inquietou-se por não enxergar seus olhos.
Ele sorria. Ela, na ânsia de encontrar os olhos, esqueceu de se exprimir. Não sentia alegria... não sabia o que sentia.
Tomada nos braços, não relaxou desconfiada. O instante envolvida foi desconfortável e debateu-se internamente por soltar-se. Solta, e querendo estar abraçada novamente, fingiu não percebê-lo. Fecharam os olhos e por certo magnetismo, seus rostos se encontraram e já se conduziam suavemente.
Confundiram seus rostos e devargar ele escorreu até o colo dela. Assustada diante de alguém abraçado às suas pernas como se fosse uma posse, afagou-lhe a cabeça alcançando as costas nuas. Não sabia definir a situação... não sabia se definir.
Deitaram-se e acomodaram seus corpos um no outro mais encaixados que qualquer outra vez.
Pela janela entrara o primeiro raio de sol. A claridade feriu somente a ela, invadindo ferozmente seus olhos e coração. Detestou o nascer do dia com todas as suas forças, pois este trouxera um tal pressentimento insuportável. Virou-se tentando esconder o rosto.
Percebendo o ritmo mais acelerado do coração dela, ele a abraçou com mais força fazendo com que quase desmachasse por seu calor e aconchego.
Então, quando o sol já havia clareado todo o ambiente, como se tivesse sentido que o coração dela balbuciara a frase que há pouco dissera, arrancou-lhe as lágrimas únicas e bastantes de/para a vida decorrente de todas aquelas sensações que se extinguira estando no ápice:


"Bom dia, meu amor".



Março de 2007,
Mariana Almeida.





Nana é a menina mais bonita que eu já vi na vida. Ela tem um 'quê' tão inspirador que tenho vontade de vê-la todos os dias quando me olho no espelho. Nana pára o tempo.
Queria que Nana morasse comigo, as vezes. É, as vezes, porque mesmo sendo tão bonita, Nana me perturba como ninguém.
"Nana" é como ela me deixa chamá-la só porque sou íntima, e a outros tão poucos que julgo, de verdade, felizardos.
Eu queria estar mais próxima a Nana, também. Mesmo sendo ela a pessoa mais forte que conheço, é, ao mesmo tempo, a mais sensível, e eu tenho medo de perdê-la para o mundo que é tão hostil. Eu sei que meu receio é bobo, acho que vem da vontade de cuidar dela. Bem sei que é ela quem me cuida.
Acima de tudo, queria poder agradecer a minha criação somente a Nana.

Ela sempre me revelou todas as suas coisas, agora nem me conta mais de seus problemas. Ficou em mim apenas a certeza de que ela vai conquistar tudo que quer, independente de qualquer coisa, mesmo que seja pela sua autosuficiência inconfundível.

- Olha, Nana, se você puder ler isso, mesmo que seja depois de muito tempo, eu quero que me perdoe a ousadia e que saiba milhares de coisas do tipo "você tem tudo que precisa", "não tem razão de sentir dor", "a vida ainda vai te recompensar pelas milhares de maravilhas que você já realizou", "você ainda vai encontrar alguém capaz de amar tanto quanto você", mas eu confesso que gosto mais de como soa
"eu te amo, Nana".

quinta-feira, 5 de março de 2009

Correspondência de merda

Quando sua mãe gritou avisando da chegada de uma correspondência, ele quis sair correndo do banheiro para ver do que se tratava. Aquela notícia trouxe um sentimento bom repentino como se tivesse tido a certeza de que alguém lembrara dele por algo bem importante.
Felizmente, não se alterou pela curiosidade e permaneceu no banheiro continuando a dar atenção às suas necessidades fisiológicas. Na verdade, fica difícil compreender por que razão ele não abriu a porta correndo e segurando as calças, se foi porque estava impedido pela natureza ou se não deixou que qualquer esperança tomasse conta de si.
Terminou, então, o que tinha de fazer, mas chegou a elaborar instintivamente uma lista de possíveis remetentes, bem como o assunto que aquela correspondência conteria. Refletiu também sobre o termo "correspondência" utilizado pela mãe, se fosse uma carta ela teria gritado "filho, chegou uma CARTA pra você" e não "filho, chegou uma CORRESPONDÊNCIA...". Ignorou esse pensamento, querendo mesmo que fosse uma carta contendo as notícias do estado de quem gostava, as lamentações da saudade recíproca e os votos - ainda que atrasados - de parabéns.
Contudo, não era uma carta.
Tinha sido sim lembrado por alguém, mas não por nenhuma daquelas pessoas pelas quais seu coração clamava a todo tempo, até mesmo no banheiro.
Havia até planejado pegar a carta, abrir o envelope com cuidado e ler as palavras impressas acompanhadas de uma música que fizesse lembrar o remetente, mas leu aquela correspondência, sem vontade alguma, de frente pra televisão, fingindo prestar atenção no papel, ao mesmo tempo que se esforçava por não demonstrar tristeza pelo engano, porque sua mãe estava por perto.
Era um papel publicitário da ótica que era cliente, "antes fosse cobrança", pensou. Uma empresa, ente apenas ficticiamente personalizado, havia lembrado dele. Devia estar gravado no sistema, mas aqueles da lista talvez não tivessem um sistema assim tão eficaz, mesmo que apenas esses soubessem o real motivo pelo qual era merecedor de parabéns e, embora ele jamais se esquecesse dos listados.
Era somente uma lista - mentira! Assim, conformou-se e retornou às atividades corriqueiras. No decorrer das obrigações até que sentiu falta de alguma companhia com quem pudesse confessar e desabafar o que vinha sentindo há muitos dias, mas não conseguiu fazer lista nenhuma dessa vez.
Dessa vez, queria se ocupar demais apenas consigo mesmo.

terça-feira, 3 de março de 2009

A maldição dos 21

O hoje¹ eu não vi no calendário.
Não o procurei, sabia que não encontraria em lugar algum.
Todas as gráficas hão de estar certas, apenas eu não consigo enxergar o número impresso no documento de convenção temporal. No entanto, não hei de estar errada por conta disso.
Se os dias não possuem 24 horas exatas, nem o ano 365 dias precisos, por que a mim seria estabelecido como crime desconsiderar apenas um dia do ano? Pois se há crime em não contar o tempo, a pena não deve ser branda. E não é.
Culpada e condenada de logo à perturbadora maldição, não espero pelo término das restrições a que fui submetida. Dessa maneira, é que me submeto ainda mais à referida pena, e sabia/sei que, uma vez acostumada, não poderia/poderei jamais me desvencilhar sem sofrer as consequências catastróficas da liberdade.
Não sei contar o tempo, é ele quem me conta, e demonstra prazer em vir aos meus ouvidos revelar os segredos que nem me permite divulgar. Institui em mim a antecipação de todas as coisas e quase me enlouquece ora me empurrando, ora simplesmente permitindo que eu possa viajar por entre o mesmo, sem despender uma nica sequer. O tempo é sadico, mas não me importo, só temo pelo tanto de beleza que vejo nisso.
Há duas décadas fui amaldiçoada expressamente. As palavras de poder diziam que eu seria como deusa, forte e dócil, e meu nome de batismo revelou-se apropriado ao simbolismo da soberania e graça.
Ignoro se a maldição foi invocada por acaso, o fato de não saber do dia de hoje revela minha recente absoluta aceitação.
Confesso que já relutei no afã de me desprender daquilo em que eu nem me via presa, mas descobri há pouco, que maldição também é benção. Pois fui, então, abençoada ao reconhecer e aceitar a maldição.
Vinde a mim todos os poderes e, com estes, todos os encargos que me foram destinados nesta mesma data em tempos de fim de guerras frias. Mas vinde aos poucos, porque, mesmo sendo a escolhida, eu posso não resistir. Pior, eu posso não querer resistir.
Posso renunciar aos meus direitos e me abster de cumprir deveres; posso me misturar à multidão, abdicando da minha individualidade; posso não reagir diante do adversário mais fatal; posso ser apenas normal, e dessa vez, não mais como personagem finalística.
Vinde aos poucos, eu aceito. Aos poucos, eu posso reproduzir, desenvolver, instituir e dignificar. Meticulosamente, formalizar com a mais ampla perfeição que se permita. Invada-me, tempo, mas não me corroa.
O quanto incotado em meio ao tempo contado em 20 calendários é a prova inequívoca da minha maldição, da minha louca sanidade, dessa solidão que não se desapega.
Há de chegar o tempo a ser contado, mas diverso, regressivamente. Não um dia após o outro, mas um antes dos outros, sendo a cautela de recepcionar o poder resguardado substituída pela pressa apaixonada de consumir tudo. Nesse tempo, nesta data, haverá espaço suficiente para caber qualquer coisa sem riscos de explosão ou implosão.
Ao pai que invocou a mim tanta responsabilidade, esbravejo, por fim, com rancor e amor: - Falta apenas mais um ano, e lá, até com a lei vou me casar.

¹Hoje: 03 de março de 2009.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Para-nunca-mais

Ivan Lins - Guarde Nos Olhos Ivan Lins Feat. Jorge Vercilo - Ivan Lins - Guarde Nos Olhos Ivan Lins Feat. Jorge Vercilo


- Já estou indo. - Despediu-se dele, dizendo adeus a todos.
- Eu acompanho você até a porta. - Fez-se de educado pra disfarçar o aperto no peito.

Caminharam em silêncio dois ou três passos até a porta. Lado a lado, as mãos se tocaram rapidamente sem efeito, como se se atraíssem pelo hábito de estarem sempre entrelaçadas. Parece que as mãos sempre guardam certas energias nessas horas, ficam ali meio abertas, meio fechadas, um tanto trêmulas, mas não chegam a se pegar. Perdem a força, quando a vontade nelas se concentram. Foi assim que não se deram as mãos.

- Vai pra onde? - Ele perguntou sem jeito. - Eu te levo.
- Não, obrigada. Eu vou só. - Respondeu áspera, querendo dar ponto àquela despedida.
- Mas vai aonde? Eu preciso mesmo ir à rua. Dou-lhe uma carona. Espera, vou buscar a chave.
- Não, não precisa. - Impediu-o de sair dali.
- Faço questão.
- Aonde eu vou, você não pode me levar. - Com certeza e descontentamento, respondeu segurando-lhe pelo braço.
- Ah, está bem. Não quer, não vou insistir. - Assustado, se revoltou com a suposta desfeita.

Olharam-se nos olhos mais profundamente num instante, mas, ofendido, ele desviou o olhar como se dissesse para ir embora de uma vez. Ela permaneceu olhando pra ele com o sorriso terno.

- O que é? Do que está rindo? Não sou palhaço pra você rir da minha cara.
- Eu não disse que era. Quer controlar até minhas graças agora?
- Que boba!
- Você gostava...
- Falou certo. Gostava. Não gosto mais. Vai logo pra eu poder fechar a porta.
- Feche-a.
- Pra quê? Depois você vai dizer que eu bati com a porta em sua cara.
- Mas isso você já fez.

Ela já se virava para partir quando, interpelada, achou que era justo e digno responder para esvaziar o coração por sinceridade - a de sempre.

- É. Expulsou-me do seu coração, fechando a porta. Eu fiquei ali batendo, insistindo, cheia de medo de te incomodar, mas mesmo assim querendo entrar outra vez. Bati tantas vezes. - Revelou-se magoada. Extremamente magoada.
- Sabia que você ficava me ouvindo por detrás, mas você não abriu. - Revelou-se indignada.
- Eu sentei no batente e esperei dias e noites pra que o seu momento de alto egocentrismo passasse, mas ele não passou, não é mesmo?
- Eu senti sua falta. Eu senti frio... - Com os olhos secos tão brilhantes de amor e tristeza!

Nunca ele ficou tão calado. Sentiu trespassar uma flecha que ficou presa no peito acalentando certa dor. Fingiu ignorar o assombro e, mais uma vez, desviou o olhar porque ela sabia ler aquela imensidão profunda e verde.

- Você vai fugir de mim a vida toda. - Ela definiu a situação.

Ele bem que tentou balbuciar alguma coisa, mas se atrapalhou com as palavras. Imediatamente, ela emendou exaltada umas palavras desconexas como se quisesse provocar a briga que sempre evitou. Queria, na ponta do seu íntimo, reatar o romance através de um desespero que não havia sentido ainda, mas logo se acalmou. O que está na ponta logo se esvai, não é mesmo?

- Obrigada pela disposição, mas eu preciso ir só. Pronde eu vou, só posso ir só.

Num relance, demonstrando, então, o assombro, apoiou-se nos ombros dela, descobrindo a clavícula coberta pela camisa-canoa da moda. Foi pela clavícula que quase se entregou. Quase. Foi pela mesma clavícula que se fez voltar à realidade, olhando para o nada, mesmo tendo a moça diante de si.

- Vou embora! Você não vai dizer nada, não é? - Definitivamente, ela queria um pouco de atenção.
- Você quer que eu diga o quê? [...] Boa viagem! - Ele só tinha rispidez a oferecer e logo tratou de subir no primeiro degrau da escada que dava acesso à casa.

Aos pés dele, contornou-o pela cintura com seus longos braços. Fê-lo descer entontecido pelas últimas palavras*, beijou-lhe a bocheca com o mesmo fervor e ternura que o beijaria nos lábios e ele, estarrecido e imóvel, só soube vê-la desaparecer no horizonte distante, mais-longe-do-que-nunca, caminhando a passos largos e constantes para-nunca-mais.

[...]

- Queria que você me pedisse pra ficar.*


p.s. De onde foi que isso surgiu? Um lixo. Detestei.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Gelo

- Você cortou o cabelo? - Perguntou como se quisesse saber mais dela.
- Hunrum! - Ela respondeu sem querer estender a conversa.
- Não tinha visto pela foto, Luisa me contou.

Será mesmo que precisava procurá-la para dizer subliminarmente que estava com outra? Afinal, ele nunca se importou com os cabelos dela e ela nunca deixou que ele os tocasse muito.
Que tolo de querer provocar ciúmes. Ele sabia que ela não sentia dessas coisas, não cultivava o medo de perder, tinha tudo dentro de si e não tinha instintos pra matérias.
No entanto, como por reprise, atuou na mesma cena de há tempos. A diferença é que ela já não estava mais disposta a se abater e qualquer falta que ele pudesse fazer significava quase - para não ser injusta - nada diante das atuais preocupações que ela podia ter, e tinha.
Da pergunta boba e da revelação nas entrelinhas achou graça, denominou-o mentiroso em sua mente, como ele mesmo já havia se definido. Não se fez de outra pessoa, agindo com o mesmo carinho que sempre o devotara, mas sem qualquer vontade de ter aquela conversa de meros conhecidos, quando, na verdade, sabia dele mais do que se presumia.
De mais nada precisou para concluir que ainda sentia o gosto dela e que, talvez estivesse querendo conservá-la outra vez para, num momento futuro e certo de fome, esquentar no microondas.
Congelada mesmo, não se importou com a própria conclusão.
Nem com ele, e não se despediu.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Um sentido a menos




- Está ouvindo?

- O quê?
- Nada. Não é estranho?






Quando você chegou, resolveu que ia encher minha vida de sons. Deixei que acreditasse que eu estava intacta o bastante para você se imprimir em mim desse jeito tão intenso.
Jamais teria dito que já estava com o que me era suficiente e, que você era só um adorável supérfluo que eu não ia querer nunca abrir mão. Certamente teria me machucado com suas palavras grosseiras e talvez até levantasse a mão para mim. Não que seja violento assim, mas eu imagino o quanto essa verdade ofenderia seu ego central se irradiando até a mão que eu tanto segurei sem, no entanto, andar pelas ruas.
Eu me calei, mas não por medo de apanhar. Gostava tanto que talvez pudesse ser em alguns instantes sadomasoquista para realizar fantasias ou simplesmente experimentar situações que só você poderia me fazer cogitar. Eu me calei porque, por toda simplicidade do mundo, só queria estar ao seu lado, sem rancores, sem problemas, sem passado, sem futuro, sem presentes, nem presenças. Só eu, e você, e qualquer som.
Sons seus, meus, nossos, uns dos outros, de outros, de tantos, de músicas, de músicos, de pássaros, de grilos e de ventos. Qualquer som e você. Sentíamos juntos cada notinha, embora só você pudesse decodificar. Achávamos graça na coincidência com o nosso romance, trocávamos romances em novas músicas, conversávamos quase que cantando, cantarolávamos na saudade, eu na vontade de ouvir e você na vontade de tocar/cantar.
Fez-me promessa de amor em forma de música e até promessa de música em forma de amor. Eu, que reneguei querendo ouvir, talvez pressentisse esse silêncio de então, porque tudo acabou. Nem uma palavra, nem uma vontade, nem um sentimento, nem sequer um som restou, e, se alguém ainda insiste em regravar as músicas que você cantou pra me encantar, não adianta. Para ouvir, eu me tornei lânguida.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ilimitado

Incontáveis partes dispostas em tantos lugares de nem-tudo-aquilo que eu preciso saber exatamente. Não sei mais quantas se farão presentes nessa minha jornada cujo fim é a morte, mas sei sorridente que gosto do jeito como me envolve, me circunda, me paquera e finge me amar.
Pois assim que retribuo cada disposição, afagando muito carinhosamente o que está manifestado diante dos meus olhos e mãos, desejando que dure para sempre por inocência e idealismo. Mais que isso, seduzo aquilo que desejo e conquisto com méritos para gozar de prazer quando sei que nem me aproximo do orgasmo final. Esses orgamos múltiplos alimentam minha alma, moldam meu corpo em posições atrofiadas e penetram em mim apossando-se de todo o meu ser.
Abandono noções de ser vivo e, é me achando deusa que esqueço de comer, dormir, conviver e sentir outras coisas que não essas de agora. Até mesmo para escrever é preciso fugir sorrateiramente brigando comigo mesma. Afinal, preciso de um momento meu e tudo isso as vezes me sufoca.
A maior verdade é que adoro esse sufoco e fico ofegante com alegria. Se me falta ar é simplesmente porque todos os meus espaços vão sendo reservados para o específico que me causa tamanho prazer.
Difícil não me decepcionar com outros amores que não se sujeitem a esse. Quão perturbadora é essa idéia, mas hei de admitir que não quero mais nada quando estou assim, um tanto quanto, safada.
Os espertos é que me deixem ou me cuidem - se é que me querem - não intentando retirar de mim tudo isso. Caso contrário, melhor não se martirizarem, pois tenho a escolha préconcebida imutável.
Cada parte de mim não é parte, mas todo quando isso sobre o qual discorro se faz presente. Diante de mim, sobre as minhas coxas, sobre o meu peito, nas minhas mãos, em cima da mesa, da cadeira, do chão, da cama, em qualquer lugar eu me satisfaço com o muito imensurável que esse "tudo" é.
Tão tudo que a definição simplória até ofende. E tem gente que não entende esse nosso selvagem e calmo amor.
O que mais me atrai é o seu não-ter-fim. Essa infinitude, essa eternidade se compatibiliza perfeitamente com a perenidade em minha vida. Esse tamanho, essa dimensão se encaixa perfeitamente no espaço vazio dentro de mim. E quanto mais surge, vem, adentra, mais eu me sinto perdida no vácuo com a mais doce sensação de achada. E quanto mais me preenche, mas eu sinto a ausência da gravidade.
Esse abstrato mais concreto, essa falta de matéria do que está inscrito e escrito em todas as línguas e não-línguas, temático ou não, objetivo ou não, fundamentado ou não, que se faz agora em incontáveis palavras dispostas em 1756 páginas de nem-tudo-aquilo que eu preciso saber exatamente, é o que me move.
E eu quero saber muito mais.




Testemunhei em primeira mão a força das idéias.
Vi gente matar em nome delas. E morrer defendendo-as.
Mas você não pode beijar uma idéia,
não pode tocá-la ou abraçá-la.
Idéias não sangram.
Idéias não sentem dor.
Elas não amam.”
[do filme “V de Vingança”]

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Escreviver

Eu deveria parar com tudo, é o que penso há tempos enquanto escrevo as histórias que vivi e viveram em forma de contos baratos que de nada servem a mim ou qualquer outro ser. Definitivamente, isso aqui que surgiu como desprendimento agora é prisão aberta da qual não saio por vaidade.
É o efeito que minhas palavras sempre me causam. É meu único vício que algumas muitas vezes já não mais satisfaz minhas necessidades de viver o que não experimento. Não que a profusão de sentidos em forma de letras não criem mais em meu corpo os hormônios e, consequentemente, as sensações reais e tangíveis que apenas os sensores celulares são capazes de identificar, a verdade é que escrever tem parecido um encargo grande demais pra quem vem tentando simplificar todas as coisas.
Existe um certo desconforto em manter tal registro de idéias e sentimentos quando o coração e mente não se deixam esquecer de absolutamente nada. Tudo comprovado quando os machucados se fazem sangrar, o coração palpita acelerado diante do passado e os vadios enojam com suas caras mal lavadas fingindo não errar.
No meu foro íntimo não preciso me questionar sobre a vivacidade do que existe e a dinamicidade do que está começando a se configurar, é óbvio que a manutenção de determinados elementos em mim não se faz por acaso, da mesma maneira que o que surge é fixado intencionalmente. Entretanto, sou compelida a desabafar o que não está sufocado, como se estivesse a provar previsões que obtive em decorrência dos poderes de bruxa.
Nunca soube se caí num caldeirão de feitiço quando criança ou se fui amaldiçoada por algum deus brincalhão, fato é que a minha capacidade é intensificada sempre, seja diante da maior questão da minha vida (ou mesmo da vida alheia) ou do mais ínfimo detalhe que aos míseros mortais pouco importa.
Sob um olhar crítico e próprio, quanta bobagem, mas bobagem mesmo é ignorar um fantástico modo de "escreviver" a vida. Há em mim uma prepotência no sentido mais lato possível - aqui cabe uma observação: as pessoas deveriam se prender mais ao sentido primário e real das palavras e, depois de acostumadas, fazer o mesmo com os sentidos das coisas da vida, não fazendo é que tem um bando de gente duvidando de tudo e querendo explicações inúteis daquilo que acredita e nem sabe. Gastam energia à toa e eu, poucas vezes na vida, fiz questão de ajudar a clarear o que tinha cor. O que é transparente me enoja mais do que é cinza.
Mas voltando. Pois foi assim que vivi de fato as histórias que inventei; que não me assustei quando o que previ aconteceu diante dos meus olhos; que não me apavorei diante do novo problema porque a solução, a mim, já era velha.
Perceba que a prolixidade permite a um bom controlador escrever sobre duas coisas absolutamente distintas ao mesmo tempo. Um prolixo legítimo nada mais é que "um ser simples em ser", que assume a postura de jogador e brinca com as palavras para se defender - venho acreditando que agora apenas me divirto tentando controlar o tempo por escrever.
Se alguém me disser que se trata de um esconderijo, não poderei relutar hipocritamente. Não fujo dessa verdade, ó não. Com métodos bobos e hábeis apenas elimino esse instrumento da arte de enganar.
Confesso, fingir eu sei. Crianças fingem, mães fingem, pais fingem, artistas fingem, até o poeta finge, por que eu não poderia? Fingi algumas vezes cheia de razão por causas ora nobres, ora não tão nobres. Criei válvulas de escape muitas vezes para ocultar os desejos que de muito além pareciam pecaminosos ou altamente cortantes para os que estavam ao lado. E até nisso há uma tremenda autenticidade.
A crueldade dos meus instintos se afeiçoa com a firmeza das minhas convicções e tudo em mim é complementar, não assim tão contrastante. É dessa complementariedade, que não passa de uma múltipla personalidade, que me revelo inteiramente mascarada e intensamente verdadeira, porque assumo todos os perfis que realmente possuo.
Aqui, despida, não tenho face. Falso esbravejar ter sido tomada por um verdadeiro eu. A pureza em mim não talha nenhum contorno e, é assim, simplesmente amorfa, desejando algo simplório e sem sentido, em vão, que evado-me por instantes da prolixidade sem receio algum, sequer o de descontentar a mim mesma.
Eu não me chamo Madalena, mas adoro sê-la.

Maria Rita - Madalena

'Parte partida ida'

- Última chamada para o trem das 9!

Sabendo que iria partir, ele fingiu não ter planos de ir embora e viveu todos os dias pactuando com o futuro que sabia que jamais iria chegar.
Todos os dias vivia se despedindo dos que convivia sem que estes percebessem a tristeza da saudade antecipada. Trouxe somente pra si o desespero da ida sem volta mais por medo que por força. Não estava nas suas intenções impedir o sofrimento dos que teria que se despedir, apenas queria evitar as churumelas em seus ouvidos e a melancolia em seu coração, e imaginou que não pudesse continuar com os seus prazeres se se revelasse por completo, confessando todos os planos.
Escolheu encobrir a partida, reconhecendo a si mesmo que já se encontrava distante e perdido, mesmo sabendo que poderia carregar consigo tudo aquilo que se desvencilhava às escondidas. Se queria tanto manter tudo, por que abandonar?
A qualquer olhar, ele só queria mudar seu mundo absoluta e efetivamente.

- Última chamada para o trem das 9!

Separou seus objetos de estimação desde há muito numa caixa de mudança, aproveitou dos presentes da festa de despedida forjada duma de aniversário, reviveu desejos que ficaram sem solução, tentando solucioná-los, e deixando-os definitivamente insolucionáveis, reatou laços de sentimentos que desconhece os enganos, visitou os lugares de que gostaria de lembrar, tirou fotografias, provou das paixões e das admirações para não esquecer os gostos e comprou a passagem, tudo antecipadamente.
Era mesmo vontade de partir? Quem sabe não fosse pavor de ficar...

- Última chamada para o trem das 9!

Seguiu rigorosamente todas os critérios que fundou e obedeceu todas as condições que se instituíram. Substituiu sentimentos ao tentar se livrar dos mesmos, como se tudo não passasse de um jogo de conveniências, deixando pelo caminho coraçãos apaixonados e machucados.
Queria levar-se nu, sem convenções, conceitos, encargos ou qualquer instituição sentimental não-sanguínea.

- Última chamada para o trem das 9!

Desfez-se de várias importâncias, enquanto, na verdade, assumia outras tantas, sem jamais se desprender completamente. Melhor seria ter conservado o que de melhor possuía. Certas pessoas certamente preencheriam potes divinais de sentimentos ainda mais fantásticos, como ele desejava.

- Última chamada para o trem das 9!

Que horas são?

- Última chamada para o trem das 9!

O trem não vem.

- Última chamada para o trem das 9!

E todo mundo já partiu.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 13

Superstições conferem alegria àqueles que não acreditam em má-sorte. Algo intimamente ligado a falta de preocupação com o maus presságios ou consequências nefastas decorrentes de atos banais e corriqueiros.
O dia de azar é o único dia em que o descrente se permite acreditar em sorte. E como se estivesse envolto de brilho em mundo de magia se permite doses de alegria sem razão.
Bem, se as bruxas podem chegar a qualquer instante, ou os bruxos possam lhe tomar a alma com beijos calientes como outrora, melhor se disfarçar, sem, no entanto, se esconder.





- Que meus cabelos suportem todos os dramas de minha alma e as peculiaridades dos meus perfis.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Não fala, mas quer falar.
Seria bom dizer todas as palavras que guardou durante longos anos de espera, saudade e repulsa, mas o que se há de falar por ter o coração preservado, estando num lugar encantado, onde as copas das árvores formam desenhos e drogados gentis presenteiam com flores?
Palavras piegas de desconhecimento banal não alteram em nada o prazer do partilhamento daquele instante que de reencontro é também despedida; desejos e vícios em nada alteram a vontade de ali permanecer; e os sentimentos eternos melhor explicam a razão de nada ter poder modificativo.
A sutil distração, a grande descrença e o vento suave desfazendo os desenhos das árvores no céu, a luz confortante do jardim e as águas coloridas e dançantes certamente fazem o ritual da chuva. E logo as primeiras gotas surgem por ali. Talvez os céus lacrimejem em lugar das partes que não se permitem emocionar manifestamente.
Melhor correr em busca de abrigo de concreto para se proteger das doenças de frio que os céus eliminam pelos rancores e mágoas que sem mais efeitos só faltam se esvair.
Corre, corre. Sem a pelúcia nas mãos e sem os banhos de bica da infância vivida, mas com a mesma companhia.
Abriga, abriga. Não a cabeça e os pulmões, mas o amor que tem dentro de si, mesmo que o ambiente não seja mais a encantadora praça, mas o chão relento debaixo de marquise falhada. Abrigue então, pois tem ali o santuário do que é deveras santificado.
Se a chuva passa sem levar o tempo, continuam seu caminho sem traçar trajetória definitiva. Caminham pela mesma razão de sempre - deixando-se levar. E os ambientes não parecem melhores, os hábitos são só hábitos, os risos são só risos, e logo é hora de partir.
Esperando partir que não se pode fugir do que vem, e a curiosidade de nada e a vontade de falar se chocam. Quebrando o silêncio perfeito, a definição de pensamentos confortam os sentimentos. A honestidade brilha e se espande em forma de companheirismo sincero atinente à pura amizade.
Alguns metros, as partes levadas sem suas próprias forças, mãos dadas esperando um fim, pra que mesmo falar?
E dá-se o fim, mas a despedida é o melhor dos reencontros. Tem formato de silêncio e abraço
.

Uma homenagem a Glaucia Santos.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


volto amanhã, hoje ainda não deu pra (d)escrever.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Eu quero os bons

Cansei da minha procura boba por conhecimento e diversão.
Eu quero os bons.
Quero só os bons.